Paris cometeu "alguns dos erros" na região do Sahel
2 de março de 2022"Tenho a impressão de que alguns dos erros aqui [onde ocorreram os golpes de Estado na região do Sahel] se encontram na francofonia", afirmou o embaixador angolano Georges Chikoti em entrevista à agência de notícias Lusa.
Por outro lado, "se há espaço" em África para a entrada da empresa privada de mercenários russos Wagner, "temos de voltar atrás e ver que erros cometemos", afirmou o diplomata angolano que é secretário-geral da Organização dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico (Grupo ACP).
"É preciso ver qual é a relação que há entre [os] militares [golpistas no Mail, Burkina Faso, Guiné Conacri e Chade], não sei. Mas provavelmente é necessário ver bem, porque o primeiro golpe de Estado [em agosto de 2020 no Mali] foi num desses países. Não se pode generalizar, mas é preciso ver que há uma particularidade", afirmou.
Quatro golpes em 18 meses
O Burkina Faso foi palco de um golpe de Estado militar em 25 de janeiro, e este foi o último de quatro tomadas do poder por militares no Sahel em menos de 18 meses. Os outros três foram levados a cabo em agosto de 2020 no Mali, em abril de 2021 no Chade, e novamente no Mali, em maio do ano passado, onde um "golpe dentro de um golpe" conduziu ao poder o atual líder da junta militar no poder, o coronel Assimi Goïta.
Nos últimos meses, as autoridades militares no Mali tomaram uma sucessão de decisões que levaram a que a França anunciasse no passado dia 17 a retirada dos 2.500 soldados franceses da força Barkhane do Mali, uma tomada de posição que foi acompanhada pela força de tarefa Takuba, formada por 900 efetivos de 15 países europeus e do Canadá, que no mesmo dia anunciou a saída do país.
Quando revelou a decisão de retirar as forças francesas do Mali, o Presidente francês, Emmanuel Macron, manifestou a oposição de Paris à associação da junta militar no poder em Bamaco aos mercenários russos do Grupo Wagner.
"Acho que, nessas questões entre colono e antiga colónia, há aspetos que não devem ficar... Por exemplo, Portugal esteve em África. Quando saiu, saiu mesmo. A Inglaterra igual. Depois temos uma relação ao nível de uma CPLP, onde nos encontramos, somos parceiros com uma mesma língua, uma história comum, e falamos do nosso passado. Os ingleses criaram a Commonwealth. Mas tenho a impressão que alguns dos erros daqui se encontram na francofonia", sublinhou Chikoti.
Cimeiras em vão?
A cimeira União Europeia - União Africana, realizada nos passados dias 17 e 18 em Bruxelas, foi dominada pelas questões de segurança e várias vozes críticas têm desde então apontado o que consideram a escassez de mudanças substantivas provenientes do encontro, nomeadamente na natureza da relação entre os dois blocos.
"Sempre se diz isso", contrapôs Chikoti. "Mas temos que ser otimistas", prosseguiu. "Primeiro, reuniu-se muitos presidentes, abordaram muitas questões, e saíram de lá com uma agenda. Acho que, se continuarem a trabalhar na base dessa agenda, já é muito bom. Porque muitas vezes vamos para uma cimeira e esquecemos a anterior", afirmou.
"A última cimeira UE-África foi há quatro anos, hoje alguns assuntos continuam por resolver. Mas acho que a questão da paz e segurança e da instabilidade das constituições [nacionais] é uma coisa que África tem que ver muito seriamente", reconheceu.
Eleições em Angola
A preocupação remete para o próprio país de Gerges Chikoti, onde os principais partidos da oposição têm enfrentado várias dificuldades impostas pelo Tribunal Constitucional angolano, em vésperas das eleições gerais, previstas para agosto deste ano.
"As eleições estão marcadas para agosto, estamos a preparar-nos votar, o recenseamento eleitoral está acontecer. Estou a acompanhar. Não sabemos quem serão os próximos candidatos, sei que o Presidente João Lourenço é candidato, o que é bom, é um candidato natural porque está a exercer o seu primeiro mandato. Vamos ver, não se sabe ainda muito bem quem são os diferentes candidatos. Mas até aqui está a correr bem", disse.
Confrontado sobre se Adalberto Costa Júnior, líder da UNITA, principal partido da oposição angolana deveria também ser candidato, assim como Abel Chivukuvuku, líder da Convergência Ampla de Salvação em Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), Chikoti foi particularmente lacónico.
"Não sei", respondeu. "Porquê?", interrogou em seguida.
Ao argumento de as duas personalidades serem, também elas, "candidatos naturais dos seus próprios partidos" voltou a responder da mesma forma: "Não sei".
"Até que eles se declarem ninguém pode dizer. Até posso ser eu, ou outra qualquer pessoa", afirmou, admitindo como "claro" que nenhuma das duas formações políticas o irá escolher como candidato: "Claro que não. Eu vou apoiar o Presidente João Lourenço, que é o candidato do MPLA. Mas o que digo é que qualquer pessoa pode ser candidato. O nosso sistema não é fechado. Até que tudo ocorra vamos esperar até agosto."
Quanto ao adiamento sucessivo das eleições autárquicas em Angola, que várias vozes acusam como parte de uma estratégia do MPLA para evitar dar a conhecer um retrato sociopolítico do país eventualmente inconveniente para o partido no poder em Luanda antes das próximas eleições gerais, Chikoti foi ainda mais evasivo.
Primeiro começou por perguntar para quando estão marcadas estas eleições e, perante a resposta de que o processo tem vindo a enfrentar vários atrasos, respondeu apenas que "o atraso recupera-se sempre".