"Paz política podre" na Guiné-Bissau
21 de novembro de 2016Umaro Sissoco Embaló foi nomeado pelo Presidente guineense, José Mário Vaz, para liderar o quinto governo da legislatura iniciada em 2014, marcada por uma forte instabilidade política.
A nomeação do general na reserva das Forças Armadas, de 44 anos, surge depois de os dirigentes guineenses terem assinado em outubro o Acordo de Conacri, um entendimento que prevê a criação de um Governo com todos os partidos do Parlamento para durar até ao final da legislatura. O acordo foi alcançado sob mediação da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
Umaro Sissoco promete fazer tudo ”para acabar com as querelas” entre as forças políticas. No entanto, continua a faltar consenso. O Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que venceu as eleições de 2014, já declarou que rejeita a escolha do novo primeiro-ministro, que considera um "sinal da implantação de uma ditadura”. O partido União para Mudança (UM) também já se demarcou do próximo Governo, por considerar que a nomeação de Sissoco é uma decisão unilateral do Presidente guineense.
O diretor do Instituto Português de Relações Internacionais e de Segurança (IPRIS), Paulo Gorjão, fala numa "paz política podre” na Guiné-Bissau e defende que a realização de eleições é a única solução para o país.
DW África: O que esperar do novo líder do Executivo guineense?
Paulo Gorjão (PG): Penso que se pode esperar mais do mesmo. Mais um ciclo, a continuidade da instabilidade política, na medida em que não reúne nenhum consenso. Era isso que se exigia no acordo pré-definido e esta solução não tem qualquer apoio do PAIGC. Não vejo que estejam minimamente restauradas as condições para haver estabilidade política na Guiné-Bissau.
DW África: Sissoco anunciou que vai encontrar-se com todos os partidos para "acabar com as querelas políticas”. Acha que será capaz de o fazer?
PG: Acho que não. Evidentemente, terá reuniões com os diversos partidos políticos, só que, muito simplesmente, a sua nomeação não reúne o consenso desses mesmos partidos. Em circunstância alguma se pode esperar uma cooperação franca e leal das forças políticas. [Umaro Sissoco] estará em larga medida dependente do Presidente da República. É essa a sua lealdade, a sua legitimidade. Não espero que o PAIGC venha a aceitar estabelecer uma relação de cooperação com o novo primeiro-ministro.
DW África: Já o Presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP), Cipriano Cassamá, prometeu total colaboração com o novo primeiro-ministro e anunciou que os trabalhos no Parlamento devem recomeçar esta semana. Neste cenário, acha que é possível?
PG: Não sei se é possível esta semana, mas essa declaração corresponde ao que era expectável que ele, formal e institucionalmente, fizesse. Não me surpreende que o tenha dito nestes termos e não me surpreende que, eventualmente, a ANP recomece os seus trabalhos. No entanto, não creio que estejam reunidas as condições para que a ANP possa trabalhar de forma substantiva. Tomo isso como uma declaração de intenções.
DW África: Quais devem ser então os próximos passos?
PG: Há muito tempo que defendo que este impasse só tem uma solução: eleições. Independentemente de serem eleições antecipadas ou de ocorrerem apenas em 2018, aquilo a que vamos assistir é o protelar de uma paz política podre. Não vejo que haja alternativa a este imbróglio que não seja a convocação de eleições para que se possa encontrar uma nova correlação de forças entre a Presidência, a ANP e o PAIGC, que permita retomar um caminho mínimo de estabilidade. Deste ponto de vista, esta solução [a nomeação de Umaro Sissoco] vai exatamente no sentido contrário. Corresponde ao adiamento de uma solução eficaz para a situação em que a Guiné-Bissau se encontra.
DW África: Com todos estes problemas internos, essa solução tem de envolver a comunidade internacional?
PG: Quanto mais abrangente e inclusivo for o envolvimento da comunidade internacional, melhor será para a Guiné-Bissau. Há algum tempo que a CEDEAO assumiu as rédeas da situação, sem que se tenha encontrado qualquer solução minimamente estável. Penso que a CEDEAO tem de aumentar os seus esforços. Esta solução vai precisamente contra o que havia sido acordado na última tentativa de mediação entre as partes, com os intervenientes da CEDEAO. A própria Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) tem de ser chamada a ter um papel que não tem tido nos últimos dois anos. Em última instância, a própria Organização das Nações Unidas. Já vimos e está mais do que confirmado que os intervenientes na Guiné-Bissau, por si só, não conseguem encontrar uma solução.