Pesquisadora pede transparência nas contas de Moçambique
30 de março de 2017O Banco Mundial vai retomar até o fim deste ano o apoio financeiro a Moçambique. Devem ser investidos no país aproximadamente 1,9 mil milhões de euros nos próximos cinco anos. Mas será isto uma luz ao fim do túnel para ajudar o país a sair da crise?
Para a pesquisadora da área de finanças públicas, do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique, Celeste Banze, a retomada de investimentos estrangeiros pode, sim, ter efeitos positivos sobre a economia, desde que haja transparência governamental e maior controle dos fundos por ambas as partes – o Governo e o Banco Mundial.
Ainda segundo a investigadora do CIP, o Estado moçambicano já tem experiências negativas com recursos do Banco Mundial. Os investimentos já feitos pela instituição no país não conseguiram alcançar o seu objetivo principal: a redução da pobreza. Isto se deve à má gestão desses recursos, segundo Banze.
Confira a entrevista na íntegra:
DW África: Acha que a retomada de apoio financeiro do Banco Mundial, avaliada em dois mil milhões de dólares (aproximadamente 1,9 mil milhões de euros), irá impulsionar a economia moçambicana e ajudar a gerar recursos para o pagamento da dívida pública?
Celeste Banze (CB): Sim, eu acredito que sim. Esta ajuda é sempre bem-vinda para aquilo que são as atividades de combate à pobreza no país. O grande problema que nós temos que colmatar e realmente evitar, para já, é fazer com que esses fundos tenham o mesmo fim que os outros fundos que foram canalizados anteriormente pelo Banco Mundial em Moçambique. Entretanto, que haja maior comprometimento por parte do Governo em supervisionar estes fundos, em torná-los transparentes. É importante dizer quais são as ações que vão ser tomadas ao receber estes fundos; como é que serão executadas. É importante que haja maior participação dos reais beneficiários deste fundo, porque não é receber os fundos e fim, 'nós vamos implementar algumas atividades para poder impulsionar a produção". É importante saber onde é que vão ser alocados estes fundos; o que vai se fazer; quem serão os beneficiários; como é que a produção vai ser alavancada através da canalização destes fundos. É importante que haja transparência nesse processo, porque nós já temos experiência de muitos outros fundos que foram canalizados pelo Banco Mundial, e nós não atingimos o objetivo almejado, que é a redução da pobreza.
DW África: O Banco Mundial reconheceu que em investimentos passados não impactou nas condições de vida da população moçambicana. Agora, com a retomada de investimentos, o foco principal será a redução da pobreza no país. Como avalia este novo foco?
CB: A principal visão do Banco Mundial é exatamente reduzir a pobreza. Todos os outros fundos sempre foram com objetivo de combater a pobreza. Então, neste momento, é importante notar que, para além de receber os fundos, o Governo tem que ter outra atitude. Já mostrou que nos últimos anos houve grandes falhas em termos de transparência, em termos de responsabilização. Agora é importante que o Governo seja mais transparente; agora é importante o Estado supervisionar; agora é importante o próprio Banco Mundial supervisionar melhor como é que vão ser executados esses fundos. Nós temos que aprender com os erros do passado. O grande problema no passado é que havia falta de supervisão, a falta de comprometimento por parte do Governo em realmente combater a pobreza.
DW África: O Grupo Moçambicano da Dívida afirma que o país não deve pagar as dívidas ocultas, e que os bancos que intermediaram as transações devem ser os responsáveis pelo pagamento, uma vez que o empréstimo foi contraído sem o aval da Assembleia Nacional. Acha que esta é uma medida sustentável?
CB: Eu penso que o país está numa situação de default, principalmente por causa dessas dívidas comerciais. Para já, a auditoria que está sendo feita pela Kroll, e o resultado está sendo participado mês a mês é que vai ditar o que realmente aconteceu com esses fundos. E quais são as reações que o país deve ter daqui para frente, principalmente a responsabilização dos principais autores dessa dívida.
DW África: O que seria uma saída sustentável para a crise econômica em Moçambique?
CB: Produção. É deixarmos de acreditar que temos sempre ajuda. O grande problema é que o país está a sofrer, porque perdeu confiança e aquela ajuda ou apoio ao orçamento, que geralmente era canalizado, não foi feito, e nós agora estamos a sentir os efeitos nefastos de não ter ajuda externa no nosso orçamento. Então, produzindo, o país tornando-se autossuficiente... Esse é que é o caminho sustentável para poder sair dessa crise.
DW África: Além da falta de investimento estrangeiro, o que atrapalha Moçambique a produzir?
CB: Eu penso que é a falta de transparência. É a corrupção, falta de responsabilização. É importante que, primeiro, a execução da despesa pública seja conduzida de forma transparente... Pode ser um melhor caminho para pudermos ter uma produção sustentável.