Políticas de Bolsonaro dividem afro-brasileiros nas favelas
2 de janeiro de 2019"Por favor, nada de fotografias", sussurra Diego Francisco. O ambiente é tenso. "Vamos continuar a andar!"
Gostaríamos de ter fotografado os dois polícias fortemente armados que nos seguem desde que entrámos na favela do Morro do Borel. Diego, um jornalista, guia-nos por um mar de casas e barracas onde cresceu. O Borel fica no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, tradicionalmente uma área residencial da classe média branca, que, no entanto, deixou de gostar de morar aqui desde que a violência nas favelas circundantes aumentou exponencialmente.
A 1 de janeiro, Jair Messias Bolsonaro tomou posse como novo Presidente do Brasil. Bolsonaro, um político de extrema-direita, anunciou que iria trazer ordem e progresso ao país, assegurando mão firme contra a criminalidade. Prometeu, por exemplo, reforçar o combate policial ao tráfico de droga nas favelas. E, mesmo nestes sítios, o novo Presidente é popular.
Passamos por uma casa improvisada, feita de tijolos, e por um pequeno ribeiro, com água acastanhada, a cheirar mal. Aqui, não há rede de esgotos.
Vamos até à igreja pentecostal Assembleia de Deus. No início de dezembro, polícias invadiram o edifício durante uma missa evangélica, à procura de um traficante de droga. A seguir, membros do gangue, em morros circundantes, disparam contra a polícia. As paredes da igreja estão cravejadas com buracos de balas.
Vereadora baleada
Se se perguntar aos vizinhos o que pensam de Bolsonaro, dirão que concordam com o novo Presidente. Finalmente aparece alguém com mão de ferro, para trazer ordem. "Mesmo que isso signifique mais operações da polícia?" Sim, mesmo assim.
Num pilar, vemos um póster rasgado com a cara de Marielle Franco. A vereadora negra foi assassinada na noite de 14 de março de 2018 com três balas na cabeça; outra bala atingiu-a no pescoço. Assassinatos de agentes da polícia e traficantes negros são frequentes no Rio de Janeiro. Alegadamente, a vereadora, que ajudava mulheres negras nas favelas, foi morta por milícias paramilitares, segundo as autoridades brasileiras - no meio da rua, no centro da cidade.
A mãe de Diego, Mônica Francisco, não gosta que lhe chamem de "sucessora da Marielle". Ela é uma pastora evangélica, ativista dos direitos humanos e, a partir deste mês, deputada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. É uma de quatro mulheres ativistas negras que, de forma surpreendente, conseguiram um mandato, nas eleições de outubro, pelo partido de esquerda Socialismo e Liberdade (PSOL), de que Marielle também fez parte.
Figuras de esperança, à esquerda
As eleições foram um desastre para a esquerda brasileira, que dominou a política do país entre 2003 e 2016. Mas muitos cidadãos acusam-na agora de ter gerado o caos no Brasil.
Mesmo assim, Mônica Francisco conseguiu um lugar na Assembleia Legislativa, tal como Renata Souza, ex-chefe de gabinete de Marielle, e Dani Monteiro, antiga assistente de Marielle. A quarta ativista, Talíria Petrone, conseguiu inclusive um lugar na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Marielle foi uma "companheira" de luta, conta Mônica Francisco. "A Marielle e eu já denunciámos em 2010 as violações diárias aos direitos dos moradores das favelas à Comissão dos Direitos Humanos". Nessa altura, a polícia ocupou o Morro do Borel para expulsar os traficantes de droga. Em vez de promover programas sociais para jovens, como prometera, o Estado ofereceu apenas uma coisa: violência pura. A polícia comportava-se como uma força de ocupação, diz Mônica Francisco.
Um grafito numa das paredes lembra o dia em que agentes da polícia mataram um adolescente ao confundirem o saco de pipocas que ele levava consigo com drogas. A polícia também já impôs recolheres obrigatórios aos moradores do Borel. Mas quem vive no Rio sabe que isso não acontece em zonas onde vive a classe média.
Ordem e autoridade
Antes das eleições de outubro, Mônica Francisco protestou contra a candidatura de Bolsonaro. Em vez de resolver os problemas com programas sociais, Bolsonaro pensa que os pode dissipar com orações, métodos brutais do "Oeste Selvagem" e declarações homofóbicas, afirma.
Mas a maioria da população gostou das ideias de Bolsonaro, incluindo nas favelas do Rio de Janeiro.
O Rio é uma cidade particularmente caótica. Os dois últimos governadores foram presos por corrupção, os fundos estatais são quase inexistentes. "Há uma sensação de desordem geral, e alguém com pulso forte, com mão forte, poderia, de alguma maneira, organizar a vida. As pessoas esperam isso dos agentes públicos", diz Mônica Francisco.
O seu filho, Diego, leva-nos à escola onde estudou. Vemos alunos negros em fila, a marchar rumo ao almoço, com as mãos atrás das costas. "Nem um pio", avisa o professor. Diego diz que nada mudou, o racismo continua. "Crianças das classes média e alta nunca teriam de fazer isso."
Drones contra traficantes
A partir de janeiro, o novo governador do Rio de Janeiro, defensor da mesma linha dura do Presidente Jair Bolsonaro, pretende enviar aeronaves não tripuladas, "drones", para as favelas, para combater os traficantes de droga. Entre janeiro e novembro do ano passado, 1.444 pessoas foram mortas pela polícia no Rio de Janeiro, um triste recorde. As perpetivas não são boas: "O dia-a-dia na favela está a ser militarizado", afirma Mônica Francisco. "Reina um estado de emergência".
A deputada, por outro lado, promete lutar na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro pela construção de uma maternidade para as mulheres da região. Ela diz que servirá como símbolo contra a violência e contra a morte, tal como um símbolo de esperança por uma vida melhor.