Fundos angolanos sujeitos a maior escrutínio em Portugal
13 de junho de 2017O facto do Tribunal de Relação de Lisboa (TRL) ter dado razão ao recurso apresentado pelo Ministério Público português no caso "Tchizé" dos Santos, com base no novo acórdão, é visto como o início do fim da era de impunidade de dirigentes angolanos e seus próximos no que diz respeito aos seus negócios em Portugal.
A filha do Presidente angolano José Eduardo dos Santos é suspeita de branqueamento de capitais em Portugal. A 13 de novembro de 2016 o Tribunal Central de Instrução Criminal absolveu-a, declarando incompetência absoluta para investigar factos praticados por um cidadão de outro país, nomeadamente de Angola.
O assistente neste caso novamente em curso é o ativista e jornalista angolano Rafael Marques. A DW África entrevistou o jurista português Rui Verde, autor de um artigo sobre o caso no site Maka Angola.
DW África: Que alteração foi essa na legislação portuguesa que determina essa mudança de procedimentos?
Rui Verde (RV): A ideia é a seguinte: a pessoa comete um crime e apodera-se de dinheiro num país e depois vem lavar esse dinheiro em Portugal. Para haver um crime de branqueamento tem de haver um crime antes onde a pessoa obtém o dinheiro de forma ilegal. Até agora na jurisdição portuguesa havia o entendimento que se as pessoas eram corrompidas em Angola, mas não havia nenhum processo em Angola. E Portugal não ia julgar sobre o branqueamento uma vez que não havia processo em Angola. Não havia o primeiro crime e portanto não poderia haver o segundo. A grande diferença com este acórdão é que Portugal diz que mesmo que não haja investigação em Angola nós aqui podemos investigar tudo, uma vez que o dinheiro cá aparece e queremos saber de onde vem. Isto não é uma legislação, foi uma decisão de um tribunal superior que passou a interpretar a lei de maneira diferente.
DW África: Com esta decisão uma das principais portas de entrada de fundos ilícitos para a sua lavagem fecha-se a partir de agora para os angolanos, especialmente para as chamadas PEP, Pessoas Expostas Politicamente...
RV: Sim, porque agora qualquer pessoa pode fazer queixa delas em Portugal por branqueamento de dinheiro proveniente da corrupção. E os tribunais portugueses e o Ministério Público português são obrigados a investigar face a essa nova jurisprudência, e essas pessoas passam a correr um risco muito grande.
DW África: Este acórdão é válido a partir de agora e não abrange anteriores investimentos duvidosos, como por exemplo os que foram feitos por Isabel dos Santos na banca portuguesa?
RV: Pode abranger. O acórdão na lei portuguesa, não é como na lei inglesa ou na lei americana, não é propriamente uma lei, é uma orientação geral, digamos assim. Mas permite que o Ministério Público, havendo alguma queixa ou suspeita, investigue o que quiser no que diz respeito a qualquer investimento angolano dos últimos quinze anos, digamos assim.
DW África: Em relação à justiça portuguesa, pode-se esperar dela o cumprimento das suas funções na íntegra? Ou acha que as relações políticas entre Portugal e Angola podem influenciar os processos judiciais?
RV: Sabemos que sim, sabemos que os juízes têm sempre uma parte técnica e uma parte política. Até agora a magistratura judicial tem sido diferente para com Angola. Vamos ver agora se muda ou não. Se este acórdão mais a acusação no caso de Manuel Vicente indiciam uma mudança na atitude da magistratura? Talvez.
DW África: E a luz deste acórdão como avalia a situação do vice-presidente de Angola, Manuel Vicente?
RV: Começa a haver uma intenção clara na magistratura portuguesa de confrontar os líderes angolanos com as suas ilegalidades. Começa! Se acaba ou não ninguém sabe. Basta lembrar a triste intervenção do ministro Rui Machete há três anos quando foi a Angola desculpar-se das atividades do poder judicial português. Portanto, não sabemos quantos mais Machetes andam por aí.
DW África: Este acórdão não pode abrir precedentes nas relações diplomáticas entre os dois países, que já estão tensas?
RV: Certamente que tem de obrigar a uma reação angolana, porque caso contrário acaba-se o paraíso em Portugal.