Portugueses em Angola vivem "situação dramática"
15 de dezembro de 2016Por influência de amigos, a professora Raquel Correia de Carvalho foi para Angola em abril de 2015, em busca de uma vida melhor, depois de ter trabalhado na Suíça e na Alemanha. "Quando entrei em Angola eram sete da manhã. Disse: 'não vou cá ficar muito tempo'. Perguntei ao motorista se havia avião à noite para regressar a Portugal", recorda a professora. "Achava que aquilo não era para mim".
Mas meses depois já se tinha adaptado à realidade angolana. Diz que acabou por "adorar a experiência como professora" lá. "Eles dão mais valores aos professores, coisa que não acontece em Portugal", diz.
"Angola ou ama-se ou odeia-se", afirma a professora, que passado um ano decidiu deixar o país africano. Raquel Carvalho conta que um dos principais problemas que enfrentou foram as dificuldades de transferência de dinheiro para Portugal, onde tinha deixado uma filha e a renda de casa para pagar.
"No banco disseram-me que como não era angolana, não tinha cartão de residente e não dava", recorda a portuguesa, que teve de recorrer às casas de câmbio porque inicialmente não podia abrir uma conta bancária. "Duzentos e cinquenta mil kwanzas na altura eram cerca de 1900 euros, mas só me chegavam cá 800 euros. O resto ficava tudo na casa de câmbio", lamenta. E foi esta realidade que determinou o seu regresso a Portugal. "Desisti e voltei", remata.
Salários em crise
Há pouco menos de duas semanas, o Partido Comunista Português (PCP) alertou para a "situação dramática" dos portugueses em Angola, muitos dos quais têm salários retidos naquele país.
Duas deputadas do PCP questionaram o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, sobre a situação dos cidadãos lusos na antiga colónia que não conseguem receber os salários vencidos. Esta situação, segundo as referidas deputadas, acaba por afetar a vida das respetivas famílias em Portugal.
A crise do petróleo produziu consequências dramáticas para a economia angolana, mas também para os trabalhadores portugueses que viram Angola como um grande mercado de trabalho e onde era possível crescer profissionalmente, reconhece Rosália Amorim, diretora do jornal digital "Dinheiro Vivo".
"Com esta diminuição do preço do petróleo, a economia entrou em contração, não conseguiu ainda diversificar-se e exportar", explica. E enquanto a diversificação não chega, "a economia continua assente na produção do petróleo, continua dependente e faz com que tenha menos dinheiro, menos divisas disponíveis também", acrescenta.
Fazer a vida em kwanzas
Por um lado, explica Rosália Amorim, há "portugueses que passam mal e que não conseguem enviar dinheiro para as suas famílias porque não há divisas, não há euros e dólares no mercado porque não se está a exportar petróleo".
Por outro lado, acrescenta, "temos uma outra situação dos portugueses que, estando em Angola a receber em kwanzas, não estão a viver uma situação tão difícil, porque os portugueses que estão a viver em kwanzas fazem a sua vida normal, têm liquidez, vão ao supermercado, vão às compras, vão aos restaurantes". A questão, sublinha, "é que têm que fazer a sua vida em kwanzas".
Perante este cenário, o que poderá fazer o Governo português? "Pode sempre entrar pela via diplomática e tentar sensibilizar as autoridades locais para a situação em que estão alguns portugueses com dificuldades, ou de reaver os seus salários ou de enviarem dinheiro para as suas famílias", responde a ex-diretora da revista "Rumo" em Angola. "A decisão é local, é económica, é o mercado a funcionar", reconhece.
A analista portuguesa sublinha que, no futuro, Angola não pode continuar a ficar tão dependente só do petróleo. "Julgo que a aposta é a diversificação da economia para superar estas dificuldades", reafirma.
E apesar da crise que se faz sentir, Raquel Carvalho quer voltar a trabalhar em Angola, porque em Portugal apenas ganha 600 euros como professora num colégio particular. "Tenho lá dinheiro ainda na conta e quero ver se aquilo se resolve o quanto antes para eu poder voltar", confessa.