Protestos e repressão nos Camarões
23 de março de 2017Alguns ativistas nas províncias anglófonas do noroeste e sudoeste, bastiões tradicionais da oposição contra o regime do Presidente Paul Biya, reivindicam um Estado independente do Camarão do Sul, baseado no nome que foi dada à região na era colonial britânica. Mas, segundo os analistas, a grande maioria dos habitantes das zonas anglófonas prefere uma federação à independência, por lhes parecer a melhor forma de combater a discriminação política e económica de que se sentem alvos.
Ben Shepherd, do instituto de pesquisa londrino Chatham House, que conhece a região, diz que os anglófonos – que representam cerca de 20% do total populacional de 22 milhões - têm motivos concretos para se queixarem da marginalização.
"Não usufruem de representação e assistência ao desenvolvimento na medida a que se acham no direito. Conheço muitas organizações anglófonas políticas e da sociedade civil nos Camarões, e sei que têm vindo a ser sistematicamente marginalizadas há muito tempo”, disse Shepherd à DW.
Nenhuma cedência
A presente crise começou no ano passado com uma greve dos advogados, que exigiam a introdução do sistema jurídico britânico e o uso do inglês nos tribunais. Seguiu-se uma paralisação do trabalho por parte dos professores, igualmente para reivindicar um papel mais relevante do inglês na vida pública. Desde então, as manifestações, maioritariamente organizadas e levadas a cabo pelos jovens, assumiram um teor cada vez mais político. Ao mesmo tempo aumentam os incidentes de fogo posto em edifícios públicos como escolas e hospitais, mas também em lojas, muitas delas destruídas por desconhecidos.
O presidente Paul Biya, que governa o país desde 1982, recusa-se a fazer qualquer concessão. Ainda esta semana afirmou: "O meu Governo está pronto a dialogar, mas só se a unidade e diversidade do país não forem postas em causa”.
Biya reagiu com mão de ferro aos protestos anglófonos, limitando a liberdade de imprensa, e cortando o acesso à Internet nas regiões anglófonas, com consequências desastrosas para estudantes, homens de negócio e muitos profissionais. Mandou prender vários líderes políticos locais, acusados de fomentarem a secessão, um crime punível com a pena de morte. E ordenou a dispersão dos protestos pelas forças de segurança, que ocorre de forma especialmente brutal, e acabou por enfurecer ainda mais os jovens ativistas. Em fins de novembro foi colocado um vídeo na Internet que mostra a atuação violenta da polícia contra os manifestantes e chocou o país inteiro e o mundo.
A questão de fundo
Resta saber porque é que o Presidente octogenário tem tanto receio em conceder alguma autonomia à população falante de inglês. O especialista Ben Shepherd explica que se trata de evitar criar precedentes:
"A questão de fundo é outra. Na sociedade camaronesa existem muitas fissuras: regionais, entre o centro industrializado e a periferia, religiosas, entre o norte muçulmano e o resto do país cristão ou animista, e linguísticas, entre os anglófonos e os francófonos, mas também entre os cerca de 250 grupos linguísticos e étnicos do país”.
Segundo Shepherd, durante muito tempo foi possível controlar a situação através de um acordo tácito, que prevê a rotação no poder e uma partilha das posições-chave no Estado, de modo a assegurar uma certa medida de representação a todos os grupos da população dos Camarões. O problema é que há mais de cinco décadas que o poder é ocupado pelas mesmas pessoas.
Segundo Shepherd: "A longevidade no poder aumenta a tentação da corrupção. Além disso fomenta um estancamento, que não é necessariamente corrupto mas incrivelmente adverso ao risco, e extremamente conservador e cauteloso”.
Medo de perder o controlo
O resultado foi uma estagnação social, política e económica que exacerba as tensões e os ressentimentos. As eleições presidenciais agendadas para 2018 vieram agravar a situação. Aos 84 anos de idade, Biya ainda não anunciou se pretende recandidatar-se. Mas nada indica que pretenda renunciar à presidência que ocupa há 35 anos.
"Obviamente Biya não vai governar eternamente. Aí coloca-se uma questão muito difícil, que é encontrar alguém que lhe suceda e que seja aceitável para todos os grupos étnicos, religiosos e linguísticos do país”, explica Shepherd, que conclui: "Os Camarões vivem um momento muito complicado”.
Tendo adicionalmente em conta o conflito com o grupo terrorista islamita Boko Haram no norte do pais, entende-se porquê os políticos no poder pensam que a repressão de qualquer forma de protesto é a única maneira de impedir a implosão: "Eles acham que se perderem o controlo, todos estas divisões voltarão a emergir”, diz Shepherd.
Mas o analista deixa claro que, a seu ver, a repressão não vai resolver nenhum problema. Shepherd receia um aumento da agitação à medida que se aproximam as eleições. Não apenas porque o ressentimento dos que se sentem marginalizados é muito profundo, mas também porque grande parte da campanha pela mudança é orquestrada por camaroneses no exílio. E esses não se deixam intimidar:
Shepherd conclui: "Penso que a resposta adequada seria reconhecer que os ressentimentos são justificados e lançar negociações, que é a única maneira de resolver qualquer conflito em qualquer lado.