Deve haver respeito pelas reinvindicações do grupo?
19 de agosto de 2019Mariano Nhongo é o "homem forte" da autoproclamada "Junta Militar da RENAMO”. A sua indicação saiu da conferência deste grupo, que terminou esta segunda-feira (19.08), nas redondezas da serra da Gorongosa.
A reunião juntou mais de 80 guerrilheiros. No final, o grupo liderado por Nhongo disse que tem 11 bases militares e conta com apoio de pouco mais de 500 guerrilheiros.
A DW África conversou com Albino Forquilha - o diretor executivo da FOMICRES - Força Moçambicana para a Investigação de Crimes e Reinserção Social, para quem os anúncios da "Junta Militar da RENAMO” devem ser tratados com algum respeito, porque se está num perigo iminente para a paz no país.
DW África: Foi esta segunda-feira (19.08) anunciada a pessoa de Mariano Nhongo como líder da "Junta Militar da RENAMO”, que de imediato apelou para a nulidade do acordo de Paz assinado a 06 de agosto corrente, entre o Presidente da República, Filipe Nyusi e o líder da RENAMO, Ossufo Momade. Como analisa isso?
Albino Forquilha (AF): Se estamos a caminhar para uma paz definitiva como o próprio acordo diz, não faz sentido algum, que dentro do mesmo grupo que estamos a tentar unificar, haja outros que não concordem com a forma como o processo está a decorrer, sendo ainda homens de armas em punho. E um Governo sensato diga que mesmo assim vamos assinar o acordo. O que se devia fazer na minha ótica, era um esforço adicional, mesmo que se pudesse atrasar a assinatura do acordo de paz, mas que se unificasse aqueles homens todos. Devo dizer com clareza que colocamos em vigor as palavras de arrogância e desprezo. E para quem conhece os assuntos de guerrilha, só duas armas podem desestabilizar uma província inteira.
DW África: Fala de arrogância e desprezo para com aquele grupo. De que lado veio a tal arrogância e desprezo?
AF: Está exatamente nos protagonistas do acordo. As pessoas que estão em frente. O Presidente da República, a própria liderança da RENAMO, penso que deviam muito bem ter procurado resolver o conflito interno da RENAMO, para que não pudéssemos partir para um acordo do qual temos dúvidas outra vez, como aconteceu nos outros assinados anteriormente.
DW-África: Acha que esta "Junta Militar" tem capacidade para pôr em causa o acordo assinado entre Filipe Nyusi e Ossufo Momade?
AF: Sim. Não havendo efetivamente algum respeito por aquela "Junta Militar", vamos ter um conflito no país.
O importante neste momento é reconhecer que estas declarações do general Mariano Nhongo não devem ser desprezadas. É preciso olhar isso como um perigo, uma ameaça para a nossa própria paz. E consideremos, isso para nos juntarmos como homens que procuram de fato uma pacificação e reconciliação do país. Precisamos ir ao fundo da questão. Não acredito que se aqueles homens, que hoje dizem que não querem Ossufo Momade, foram assim desde do início. Aliás, os mesmos o encorajaram aquando da sua votação no Congresso da Gorongosa. Penso que o que andou mal foi a forma como o general Ossufo Momade tratou estes militares depois que ele passou a viver na Serra a Gorongosa. E as mudanças que operou no seio dos generais do partido, sem uma visão clara de gestão de conflitos internos.
DW África: Quer dizer com isso que o erro é mesmo da RENAMO e não de fora?
AF: Sim. Acho que o erro é do próprio general Ossufo Momade, que não terá encarnado o "espírito" como Afonso Dhlakama liderou aqueles generais. É verdade que pode ter tido os seus conselheiros. Mas acho que estes também falharam.
DW África: Como solucionar este problema?
AF: É preciso que se encontre alguma saída do lado do Governo, até porque o grupo diz-se disponível a renegociar o processo de Reintegração e Desmilitarização dos homens residuais da RENAMO. Mesmo que não seja o próprio Presidente da República a tratar do assunto diretamente, mas que se crie alguma comissão que vai aproximar-se dos homens. Ainda bem que o acordo de paz definitiva vai ser brevemente discutido na Assembleia da República, onde poderá ser ratificado como Lei, provavelmente possamos ter uma adenda que possa salvar a paz em Moçambique.
DW África: Os militares anunciam que vão solicitar o adiamento da realização das eleições. Acha que isso é possível?
AF: Adiamento das eleições não acho que possa acontecer até porque isso iria mexer com o pacote legislativo no país. Mas se não empreendermos algum esforço de reaproximação com este grupo e as eleições decorrem, estaremos a subscrever como Estado, a nossa arrogância e desprezo. E isso poderá mexer com o "ego” daqueles homens. E poderão recorrer as armas que têm para desestabilizar o país.
DW África: Olhando para a qualidade do discurso e as reivindicações que este grupo apresenta, não acha que há um suporte por detrás do mesmo?
AF: O general Mariano Nhongo foi um homem que trabalhou diretamente com Afonso Dhlakama. Assumo que conhece vários meandros que o próprio Dhlakama usou para o sucesso da sua luta. Não é um homem que possamos pensar que numa "esquina” se possa perder. Ao insistir nas suas reivindicações terá de fato alguns que estejam a dizer-lhe para avançar.
DW África: Sendo assim, há um grande risco com este grupo?
AF: É um risco muito grande. Temos vários pontos de descontentamento no nosso país. Portanto facilmente há várias pessoas que possam aderir ao grupo para desestabilizar o nosso país.
Quem é Mariano Nhongo
Nasceu em Chemba, na província central de Sofala. Entrou para a RENAMO em 1981, tendo, no comando de operações de segurança do falecido líder da RENAMO Afonso Dhlakama, se tornado um dos mais relevantes oficiais do braço armado do partido, segundo o semanário "Canal de Moçambique".
Integrou a Equipa Militar de Observadores Internacionais da Cessação das Hostilidades Militares (EMOCHM), no acordo de paz entre a RENAMO e o Governo em outubro de 2014, para fiscalizar a desmilitarização do movimento. Dirigiu ainda a equipa responsável pela segurança de Dhlakama quando o falecido líder escapou ileso de um ataque na Estrada Nacional 6 em Zimpinga, distrito de Gondola, em setembro de 2015.