RDC: Ébola em tempos de guerra
17 de agosto de 2018O portão do hospital de Goma, a capital de Kivu Norte, no leste da República Democrática do Congo (RDC), está fechado com cadeados. Ninguém entra sem ser controlado, nem mesmo as ambulâncias que transportam casos de emergência. Seja quem for que queira entrar tem que medir a febre, lavar as mãos e desinfetar as solas dos sapatos.
O país está em alerta máximo por causa do mais recente surto de ébola. Trata-se de impedir a todo o custo que a epidemia chegue a Goma. Um único caso na cidade com quase um milhão de habitantes aumentaria drasticamente o risco de um alastramento da doença a toda a região e aos países vizinhos, como o Uganda ou Sudão do Sul.
A RDC tem experiência com o vírus do ébola
O mais recente surto na RDC, a cerca de 240 quilómetros a norte de Goma, já causou 41 vítimas mortais. De 73 casos suspeitos de ébola, 42 foram confirmados na região da cidade de Beni. 27 pacientes estão a ser observados por apresentarem sintomas como febre elevada, dores de cabeça e hemorragias. O médico congolês Richard Kitenge constata que os números estão a aumentar. Ainda assim afirma estar confiante. Os congoleses conhecem o vírus e sabem como lidar com a doença.
Há duas semanas o Ministério da Saúde conseguiu travar um surto no norte do país, no qual foi pela primeira vez aplicada uma vacina experimental, dada prioritariamente ao pessoal de saúde nos hospitais e aos familiares dos pacientes. O médico Kitenge diz acreditar que a vacina vai melhorar a situação também em Beni: "Esperamos ver uma redução nos novos casos nas próximas semanas. É um teste. Mas graças à aplicação sistemática poderemos depois avaliar os resultados”.
Aprender com os erros do passado
Várias organizações não-governamentais, assim como equipas das Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde estão no terreno para controlar o surto. Muitos deles já se encontravam a trabalhar perto desta região quando o alerta foi dado em Beni, Kivu Norte. O que acabou por possibilitar uma reação rápida. Por exemplo, a organização Médicos Sem Fronteiras conseguiu instalar um centro de tratamento num dos postos de saúde em ruínas nos arredores, como explica a colaboradora da MSF Karin Huster: "Esta foi uma das lições que aprendemos com o último surto de ébola na África Ocidental. Os centros de saúde não estavam bem protegidos. As pessoas que se iam tratar para outras coisas foram expostas a pacientes infetados com o vírus”.
Agora, explica Hauser, a MSF montou centros de tratamento de ébola, o que permite isolar os doentes quando um caso suspeito é confirmado.
Mas conter o surto é especialmente complicado em regiões em conflito. A insegurança em Kivu Norte e Ituri, províncias onde o ébola surgiu agora, tem dificultado os trabalhos. Existem áreas às quais equipas médicas só podem aceder com uma escolta de tropas da ONU.
Conflitos armados são desafio adicional
Nas regiões de Kivu Norte e Ituri operam mais de uma centena de grupos rebeldes. O exército combate os insurgentes com ajuda de capacetes azuis das Nações Unidas. Ainda assim, as organizações de assistência não baixam os braços. O desafio, diz Guido Kraus da ONG alemã Diakonie Katastrophenhilfe, passa agora por evitar a propagação do vírus, que é transmitido através de fluidos corporais. O longo período de incubação é um dos grandes problemas: "Pode levar até três semanas para os infetados desenvolverem os primeiros sintomas e se sentirem doentes. O que significa que mesmo que alguém esteja infetado, não notará imediatamente e poderá até viajar para outra região", diz Kraus.
Há anos que as populações se encontram em fuga devido aos conflitos na região. Isto aumenta o perigo da propagação de fome e doenças. Justamente o epicentro do novo surto no norte de país, a aldeia de Mangina, é um dos locais de refúgio mais procurados pelos deslocados internos, diz Mirijam Steglich da ONG alemã Ação Agrária, que tem um projeto na região: "A estabilidade aqui fomentou a produção agrícola”. Mangina alimenta a cidade de Beni. "Se a população não tiver a certeza que as autoridades conseguem impedir o ébola de se alastrar, é possível que opte por abandonar a região”, diz Steglich. O que significaria que as colheitas seriam abandonadas, com consequências dramáticas para o abastecimento local.