Recenseamento com dados "excelentes" nos bastiões da FRELIMO
22 de maio de 2019O recenseamento eleitoral em Moçambique vai já na reta final: teve início a 15 de abril e termina dentro de pouco mais de uma semana, a 31 de maio. As habituais queixas de irregularidades e dificuldades não faltam: vão desde problemas técnicos, passando por entraves de natureza burocrática, até a fraca afluência aos postos de recenseamento e a manipulações para o registo.
Mas também há dados surpreendentes: a maioria das regiões afetadas pelos ciclones Idai e Kenneth, precisamente os palcos de constrangimentos, apresentam resultados excelentes.
De onde vêm os eleitores?
"A província de Gaza está na cifra dos 120%. E há o risco de a província ultrapassar as previsões do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral [STAE]", conta Guilherme Mbilana, consultor para assuntos eleitorais nas organizações Votar Moçambique e Joint, a liga nacional das ONG.
E isso deixa "algumas dúvidas se há ou não empolamento de dados", acrescenta Mbilana. Gaza é bastião do partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), e o nível de sucesso supera sempre as expetativas, causando desconfianças.
Na província de Cabo Delgado, o número de pessoas registadas também é "elevado", apesar da passagem do ciclone Kenneth e da insegurança nalguns distritos.
"A questão é: esses dados, que são muito altos, porque são acima dos 100%, são ou não fiáveis?"
Guilherme Mbilana dá ainda o exemplo das províncias da Zambézia e de Manica, que sofreram com o ciclone Idai, e que também têm "dados altos", apesar de em Manica, por exemplo, muitos postos de recenseamento não terem chegado sequer a abrir.
"De onde vem essa quantidade de eleitores?", questiona o especialista.
Nampula muito aquém do previsto
No segundo grupo de províncias, citado pelo consultor eleitoral, há um caso espantoso: a província mais populosa do país, Nampula, e bastião da oposição, está muito aquém do previsto quando faltam menos de dez dias para o fim do recenseamento.
"Em relação a Nampula, que é o maior círculo eleitoral do país, os dados apresentados até hoje são muito baixos - rondam os 700 mil eleitores. Entretanto, as previsões em termos de população eleitoral é de cerca de 2.800.000. Já passaram muitas semanas e só conseguiram esse número. Então, temos muitas reservas que, em cerca de duas semanas, se consiga recensear mais de dois milhões de eleitores", afirma ainda Mbilana.
O terceiro grupo inclui Maputo, com eleitores bastantes consciencializados e cientes sobre questões de cidadania, que surpreendeu pela negativa, segundo o consultor. E na província de Sofala, principal bastião da oposição e a mais afetada pelo ciclone Idai, a natureza, sem nenhuma ajuda extra, terá contribuído para a fraca afluência: "Pensamos que muita população não está coberta pelo recenseamento eleitoral, porque grande parte está nos centros de acomodação. Temos sérias dúvidas que a maioria da população deslocada por conta do ciclone e pelas condições de segurança esteja recenseada."
Fraca afluência nos bastiões da oposição
Em suma, os maiores problemas são detetados nas áreas dominadas pela oposição, embora excecionalmente alguns bastiões da oposição apresentem excelentes resultados, estranhamente num contexto de calamidades.
Sobre a tendência de irregularidades nos bastiões da oposição, o especialista em boa governação Silvestre Baessa lembra: "Nessas regiões, o processo parece ser mais complicado. Agora resta saber se é mais complicado nessas regiões porque há uma ação deliberada dos órgãos eleitorais de assim o fazer, ou aparenta ser mais complicada porque a oposição tem uma maior presença nessas regiões e uma melhor capacidade de controlo."
"Pode ser que esses problemas também estejam a ocorrer noutras regiões, mas porque a capacidade de controlo por parte da oposição e mesmo da sociedade civil não é tão forte como, por exemplo, nas províncias de Nampula e Zambézia, onde há uma grande mobilização de atores da sociedade civil e dos partidos políticos para uma melhor fiscalização, todas essas possibilidades estão em aberto."
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, marcou as eleições gerais para 15 de outubro.