RENAMO acusa Estado de matar civis em Cabo Delgado
23 de abril de 2020A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) acusou esta quinta-feira (23.04) as forças de defesa e segurança do Estado de matarem civis em Cabo Delgado, província do norte do país onde atuam grupos armados desde outubro de 2017.
O porta-voz da RENAMO, José Manteigas, indicou nomes de vítimas, algumas militantes do partido, e citou relatos de quem presenciou os assassinatos com armas de fogo à queima-roupa.
Um dos casos descritos por José Manteigas aconteceu no dia 12 de abril quando passageiros de uma embarcação que viajava entre a capital provincial Pemba e a ilha do Ibo foram intercetados e alvejados por elementos das forças de defesa.
"Após um simulado interrogatório, arrastaram a embarcação para baixo da ponte cais [do Ibo] e dispararam contra todos os ocupantes, o que causou a morte de vários concidadãos", referiu, tendo de seguida atirado os corpos ao mar, disse.
O porta-voz da RENAMO, o principal partido da oposição em Moçambique, referiu o nome de oito vítimas mortais, entre as quais, Momade Chabane, chefe de mobilização do partido no distrito do Ibo, e o seu filho, Samuel Momade.
Ibo, porto seguro de deslocados?
A ilha tem sido um dos locais de destino de muitas pessoas que fogem dos conflitos entre militares e grupos armados que assaltam aldeias e matam residentes.
Ainda segundo relatos citados pela RENAMO, os membros das forças moçambicanas arrombaram um estabelecimento comercial e saquearam bens alimentícios e bebidas alcoólicas no Ibo.
De acordo com José Manteigas, as forças estatais mataram outras duas pessoas numa embarcação que viajava de Pemba para a vila costeira de Palma, no dia 16, Muemede Al'mbaile e Bachir Cudeda, deixando vivo o dono do barco, Amade Culanda.
A vila fica no extremo norte da província - e do país, a poucos quilómetros da Tanzânia -, junto à zona de construção dos megaprojetos de exploração de gás natural.
Num terceiro caso, na vila de Palma, militares balearam quatro cidadãos.
Militares vs. civis?
A região norte conta com uma presença mais musculada de elementos das forças de defesa e segurança devido aos ataques de grupos armados insurgentes que ali ocorrem desde 2017, mas são frequentes os relatos de atritos de militares e polícias com a população.
"Se a polícia mata, os militares matam e os insurgentes matam, quem nos vai proteger?", questionou Manteigas.
Apesar das tentativas, a agência Lusa não conseguiu obter esclarecimentos nem das autoridades policiais nem militares.
O partido apela ao Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, para "agir imediatamente" no sentido de "mandar parar os assassinatos bárbaros", "repor ordem nas fileiras e criar condições logísticas robustas e necessárias para elevar a moral e capacidade combativa".
Presidente admite abusos
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, admitiu na quarta-feira (22.04) "violações involuntárias" dos direitos humanos pelas autoridades em Cabo Delgado, no norte de Moçambique.
"Em momentos difíceis como o que atravessamos, somos levados a adotar medidas robustas com vista a defender a nossa soberania e a nossa integridade territorial. Algumas dessas medidas podem involuntariamente propiciar a violação dos direitos humanos", disse Filipe Nyusi.
O chefe de Estado moçambicano falava na Presidência da República em Maputo, durante a tomada de posse de novos membros da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, referindo que as denúncias de violação devem merecer atenção.
Cabo Delgado, região onde avançam megaprojetos de extração de gás natural, tem vindo a ser confrontada com ataques de grupos armados classificados como uma ameaça terrorista. As incursões já mataram, pelo menos, 400 pessoas desde outubro de 2017.