Revisão constitucional na Guiné-Bissau: Nova crise à vista?
1 de novembro de 2021O Presidente da República mandou fazer um projeto de Constituição em maio de 2020, à margem da Assembleia Nacional Popular (ANP), órgão ao qual, de acordo com a Constituição em vigor, compete rever a lei magna da Guiné-Bissau.
Enquanto o chefe de Estado aguarda que a sua proposta de Constituição seja discutida e aprovada pelos deputados, a Comissão da Revisão Constitucional do Parlamento continua a promover debates com diferentes autores sobre as alterações pontuais à lei.
Para a sessão parlamentar ordinária que vai ter início na próxima quinta-feira (04.11), a Assembleia Nacional Popular voltou a não incluir, para a discussão, o projeto da Constituição de Umaro Sissoco Embaló.
Regime presidencialista
Outro ponto de debate é: que regime constitucional se adequa à Guiné-Bissau, cuja atual Constituição prevê o semipresidencialismo? O chefe de Estado quer que o documento se adeque aos dos países da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), ou seja, o presidencialismo.
Em junho, Sissoco Embaló defendeu: "Falamos da revisão constitucional na Guiné-Bissau e entendemos que é imperativo que haja revisão constitucional adaptada à nossa sub-região. E o sistema que todo o mundo quer é o sistema da zona [da CEDEAO]".
Esta segunda-feira (01.11), o regime presidencialista voltou a ser defendido, desta vez pelo porta-voz do Governo guineense, Fernando Vaz.
"Penso que o regime presidencialista é aquele que serve melhor os interesses dos guineenses e da Guiné-Bissau. Isto porquê? Porque nós somos aprendizes da democracia, somos democratas apenas desde 1994, e hoje aceitar estar na oposição ou ter um Governo que não tem a mesma cor que o Presidente é sinónimo de conflito", defendeu Vaz em entrevista à agência de notícias Lusa.
"PR está a criar uma crise"
Na semana passada, esteve em Bissau uma equipa de peritos da CEDEAO, para ajudar as autoridades guineenses nos trabalhos da revisão da Constituição da República. Mas o Parlamento não concordou e disse que mantém confiança na Comissão por ela criada, para a mesma tarefa.
O jurista guineense Luís Peti espera que, na sessão do dia 4 de novembro, o Parlamento avance com a discussão da proposta constitucional elaborada pela casa.
E para Luís Peti, o Presidente da República pode estar a criar uma crise institucional com as suas pretensões. "Não vejo em que circunstâncias o Presidente da República poderá avançar, neste aspeto, com uma proposta, a não ser que ele queira criar uma crise institucional e uma situação de desgovernação total", disse Peti à DW.
Por seu turno, o jurista Fransual Dias considera que não há necessidade de luta de protagonismo sobre a revisão constitucional. "Não vejo um órgão de soberania a querer tirar proveito ou a demonstrar a maior legitimidade neste processo de revisão constitucional. Todos os órgão de soberania têm intervenção [na matéria], a começar desde a Assembleia Nacional Popular, o Governo, o Presidente da República e até os tribunais, porque não pode haver, neste processo de revisão constitucional, normas inconstitucionais. Portanto, até os tribunais intervêm".
"Nova crise política"
Entretanto, o Partido da Unidade Nacional (PUN), extraparlamentar na Guiné-Bissau, antevê "nova crise política" no país por causa da revisão constitucional que divide o PR e a ANP.
Numa conferência de imprensa hoje, citada pela Lusa, o líder do partido, Idrissa Djaló, revelou uma carta endereçada ao presidente em exercício da CEDEAO, Nana Akuffo-Addo, chefe do Estado do Gana.
Na carta, o PUN chama a atenção da organização sub-regional sobre o facto de o processo em curso em vez de unir os guineenses estar a dividi-los, notou Djaló. Para o PUN, a Guiné-Bissau vive hoje "num sistema falido" em que os políticos preferem encarar a reforma constitucional "como bode expiatório", quando deviam proceder a um inventário dos "verdadeiros problemas que afetam o país".
"É por demais evidente para os cidadãos deste país que a Constituição atual nunca traduziu a vontade deste povo, porque ela é uma importação deturpada e mesmo grosseira da Constituição portuguesa", defende o PUN na sua carta a Nana Akuffo-Addo.
A existir alguma assistência por parte da CEDEAO no processo de revisão constitucional na Guiné-Bissau, o PUN entende que deverá sempre ser após a "decisão soberana do povo guineense" sobre que modelo seguir, refere ainda a carta lida pela vice-presidente do partido, Nelvina Barreto.