Revolução adiada em Moçambique: Foi tudo em vão?
17 de janeiro de 2025A tomada de posse de Daniel Chapo como Presidente de Moçambique encerrou formalmente o processo eleitoral de 2024, mas não apagou as dúvidas e divisões que marcaram o país nos últimos meses. As eleições, em que aoposição suspeita ter havido fraude, foram seguidas por protestos que deixaram mais de 300 mortos, segundo a plataforma eleitoral Decide. Este desfecho levanta questões urgentes: terá a revolução sido adiada ou todo o esforço e sacrifício foram em vão?
Liderados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, os protestos mobilizaram milhares de moçambicanos que acreditavam na sua vitória nas urnas. Mondlane, que se autoproclamou "presidente eleito pelo povo", enfrenta críticas pela sua ausência em momentos cruciais, como os protestos de 23 e 24 de dezembro. Nuno Dala, deputado da UNITA e ativista angolano, analisa a situação de forma incisiva:
"Centenas de moçambicanos deram as suas vidas pela revolução, mas Mondlane não esteve presente quando mais era necessário. Essa ausência comprometeu o movimento. A revolução falhou porque o objetivo principal – revelar a verdade eleitoral – não foi alcançado. Nesse sentido, o sacrifício foi, sim, em vão", conclui.
Desilusão e esperança nas ruas
As opiniões sobre o impacto dos protestos dividem a população. Em Moçambique, entre os cidadãos, há um mosaico de sentimentos.
"Digamos que tivemos uma revolução, mas foi tudo em vão. Nada mudou", afirmou um estudante universitário.
"Não foi em vão. Tivemos apenas um traidor que comprometeu o movimento. Nenhuma revolução é inútil", disse outro morador.
"Estas mortes pressionaram o Governo a tomar decisões melhores para o futuro do país", conclui outro cidadão.
Apesar das críticas, alguns defendem que os eventos recentes são parte de um processo maior. O humorista angolano Gilmário Vemba partilha uma análise optimista. Ele diz que nenhuma luta pela democracia é em vão.
"O que aconteceu em Moçambique é parte de um processo longo. Se olharmos para a história das independências africanas, vemos que as mudanças não acontecem do dia para a noite. Mesmo quando parece que nada mudou, é inegável que algo está a acontecer. Cada acto de resistência e cada debate político enfraquecem as forças que perpetuam a desigualdade."
Para Gilmário, Moçambique tornou-se um símbolo de luta por justiça em toda a África lusófona: "Quando lutamos por mais transparência em Moçambique, estamos também a lutar por Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Somos uma família, e esta batalha é de todos. Precisamos de alternância política, e não podemos aceitar que o jogo continue a ser controlado apenas por um lado."
Redefinir a luta: O desafio da oposição?
Com Daniel Chapo na Presidência da República, a oposição moçambicana enfrenta agora o desafio de reorganizar as suas forças. Nuno Dala sugere que a prioridade seja a definição de uma estratégia clara e pragmática.
"A oposição tem de decidir entre continuar com protestos permanentes ou adotar o diálogo como forma de tirar o país do impasse. Num país tão fraturado, é essencial construir consensos para avançar.”
Para o deputado da UNITA, os acontecimentos em Moçambique oferecem pistas valiosas sobre os desafios políticos que outros países africanos enfrentam, incluindo Angola.
"Enquanto Adalberto Costa Júnior optou pela moderação, Venâncio Mondlane e a oposição moçambicana escolheram a via revolucionária. Essa escolha teve impactos profundos no desfecho das situações em ambos os países", diz.
Opinião diferente tem o académico moçambicano Elísio Macamo, entrevistado pela DW em outubro de 2024. Para Macamo, a "revolução Mondlane", da forma como foi feita, é prejudicial.
"Se este modus prevalecer, nao haverá espaço para política, havera apenas espaço para confrontação e para radicalização contínua. Mondlane não é boa ideia para oposição moçambicana. Na minha opinião, está a destruir a oposição em Moçambique", considerou.
Mondlane tenta manter viva a esperança. Promete apresentar, numa transmissão ao vivo, nesta sexta-feira, propostas para reformas políticas e governativas.
Apesar das divergências, há consenso sobre a importância do que aconteceu em Moçambique. Gilmário Vemba sublinha que a luta deixou marcas profundas: "O poder do povo foi provado. Mesmo com os mecanismos de repressão ainda muito fortes, cada manifestação, cada debate e cada fiscalização pública enfraquecem essas forças. É importante que não desistamos. O futuro está a ser construído e a revolução continua."