Sociedade moçambicana marginalizada nas negociações entre RENAMO e FRELIMO
26 de julho de 2013Esta reunião do Conselho de Estado, que responde a uma obrigatoriedade constitucional, surge numa altura em que Moçambique vive um clima de grande tensão político-militar. Há poucos dias, o ministro moçambicano da Defesa, Filipe Nyusi, exonerou seis oficiais superiores do Estado-Maior General, nomeando outros tantos para os mesmos cargos, com um apelo ao exército para estar "em prontidão combativa".
A DW África entrevistou o analista moçambicano Manuel Araújo para entender a relação entre todos os acontecimentos à volta da tensão entre o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Naciobal Moçambicana (RENAMO), o maior partido da oposição.
DW África: Houve recentemente a exoneração de seis oficiais superiores do exército e ao mesmo tempo foi lançado um apelo à "prontidão combativa". Será que se pode fazer uma outra leitura, para além de uma simples exoneração?
Manuel Araújo (MA): Penso que não é um ato isolado. Temos que compreender que, depois de 20 anos de paz, tivemos perdas de vidas resultantes de confrontos armados que mostram que por alguns momentos a paz deixou de reinar em Moçambique. Ato contínuo, nós ouvimos as declarações do general Macaringue, que foi o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, que dizia que a atuação das forças de defesa e segurança dependia do comando direto do chefe de Estado.
E depois disso o próprio general foi assaltado, perdeu algumas armas e o computador pessoal, e por fim ele foi demitido. Isso mostra que não são atos isolados. Em Moçambique temos uma linha, que eu chamaria de alas duras da RENAMO e da FRELIMO, que acabaram tomando controlo absoluto do processo de tomada de decisões.
Agora estamos no confronto de duas estratégias militares. Estas exonerações encaixam-se muito bem nessa lógica, que mostra que o chefe do Estado-Maior quer colocar elementos da sua confiança de modo a que haja uma certa coesão na tomada de posições. Também vamos para uma fase crucial, onde vai ter de se negociar a sucessão do Presidente Armando Guebuza e a componente armada, a violência, vai ter um papel muito importante para poder recuperar a imagem extremamente desgastada de Armando Guebuza.
DW África: Então, existe um sério risco de eclosão de uma guerra civil?
MA: Temos dois grupos de negociações, um liderado pelo ministro da Agricultuta, José Pacheco, e o outro por Macuiane da RENAMO, as conversações formais. Mas depois temos uma linha de negociações que servem mais ou menos aqueles que estão a fazer as conversações de uma possível conversação entre o presidente da RENAMO, Afonso Dhlakama, e o Presidente da República. E a força militar é usada sempre que chegam a um ponto de descontinuidade para poder consolidar os ganhos na mesa das negociações.
DW África: Tudo isso acontece na véspera da reunião do Conselho de Estado, convocado por Armando Guebuza, para se pronunciar sobre as eleições gerais. Há alguma ligação entre esses dois assuntos?
MA: Há uma ligação entre todos os assuntos que nos referimos. Por exemplo, as eleições autárquicas que deveriam ter lugar a 20 de novembro, e de que ninguém tem a certeza, há uma ligação entre o processo de sucessão interna na FRELIMO, a capacidade ou incapcidade de Armando Guebuza colocar quem ele quer como seu sucessor. Há uma relação com as eleições que deveriam ter lugar no próximo ano, mas que ninguém tem a certeza de que vão acontecer.
Portanto, estamos perante um tabuleiro de xadrez com dois jogadores, onde cada um tenta aniquilar o outro para que possa ganhar terreno. E se for necessário o uso da ala militar, diriamos que Armando Guebuza usaria o cavalo, em linguagem do xadrez. E esta exoneração dos militares tem a ver com a sucessão de Armando Guebuza. Ele usa cada um desses trunfos de forma a fortalecer a sua capacidade interna dentro da FRELIMO para poder escolher o seu sucessor.
DW África: A RENAMO já confirmou a sua presença no Conselho de Estado, mas o seu líder não estará presente. Acha que é uma boa posição?
MA: Não sei se há condições para Afonso Dhlakama sair de onde se encontra para Maputo. A não ser que esse encontro tivesse lugar na Gorongosa. É mais uma reunião para o inglês ver, para respeitar o que a Constituição diz, e não para tomar decisões. As decisões já foram tomadas. E não vejo neste momento na FRELIMO alguém com gabarito para desafiar o Presidente.
DW África: Neste processo não se ouve falar no Movimento Democrático de Moçambique (MDM). A que se deve essa aparente ausência?
MA: Penso que deveria ter havido uma maior agressividade da máquina do marketing político do MDM. Mas, por outro lado, quando quem fala são os generais, o fuzil das armas, não sei se nessa mesa há lugar para civis. Não se trata de um debate meramente político, mas de um debate político militarizado. Acho que o MDM não tem experiência militar, daí que esteja numa fase de adaptação. A máquina do MDM vai ter de aprender rapidamente a jogar com militares.
DW África: Mas o MDM não se sente marginalizado no processo?
MA: Não é só o MDM, a sociedade civil moçambicana, as outras forças políticas e outros atores sociais estão marginalizados. Trata-se de um processo bipolar entre dois partidos militares. Infelizmente não há lugar para as forças políticas. A própria igreja foi marginalizada, tal como so empresários, académicos, portanto, é uma marginalização de toda a sociedade moçambicana.