Sudão: Presidente Omar al-Bashir destituído e detido
11 de abril de 2019"Anuncio, enquanto ministro da Defesa, a queda do regime e a detenção num lugar seguro do seu líder", disse esta quinta-feira (11.04) o ministro da Defesa, Awad Mohamed Ibn Auf, numa declaração na televisão pública sudanesa.
O ministro da Defesa, que surgiu em uniforme militar, anunciou ainda a realização de "eleições livres e justas" após um período de transição de dois anos, durante o qual o país será governado por um conselho de transição militar.
O estado de emergência foi decretado nos próximos três meses. Os militares também suspenderam a Constituição e fecharam as fronteiras e o espaço aéreo durante as próximas 24 horas.
O Governo e a Presidência foram dissolvidos e imposto um recolher obrigatório. O Exército também decretou um cessar-fogo nas regiões de Cordofão (sul) e em Darfur (oeste), onde há conflitos de baixa intensidade.
"Nestes dois anos será preparada a transição pacífica", o que inclui o estabelecimento de partidos políticos e a organização de "eleições honestas", anunciou o chefe do Estado Maior do Sudão, o general Kamal Abdel Maaruf.
A televisão do Sudão já tinha informado durante a madrugada que o Exército iria fazer uma "comunicação importante". O anúncio surgiu na sequência de um movimento de contestação popular iniciado em dezembro contra Omar al- Bashir, que chegou ao poder depois de um golpe de Estado em 1989.
Presos políticos libertados
Os serviços secretos do Sudão também anunciaram a libertação de todos os presos políticos no país, avançou a agência oficial de notícias Suna.
Ativistas sudaneses que têm organizado os protestos dos últimos meses contra Omar al-Bashir já confirmaram que centenas de pessoas que tinham detidas durante as manifestações já foram libertadas. Um dos ativistas postos hoje em liberdade foi Naji al-Assam, da Associação de Profissionais do Sudão.
"Golpe do regime para se manter no poder"
A Aliança para a Mudança e a Libertação do Sudão, grupo que engloba partidos e coligações da oposição, considera que o "regime" organizou um "golpe militar" para se manter no poder após a queda do Presidente.
Organizadores dos protestos das últimas semanas também já avisaram que não vão apoiar um "golpe militar". Uma posição que é partilhada pela Associação de Profissionais do Sudão. A porta-voz Sarah Abdel-Jaleel disse à Associated Press (AP) que pode até existir um conselho militar, mas para apoiar um governo de transição civil.
Nas redes sociais, vários ativistas e manifestantes dizem "não ao governo militar" e prometem que "a revolução vai continuar" nas ruas. A oposição pediu à população para que continue a protestar em frente ao quartel-general das Forças Armadas e "em todas as regiões e nas ruas das cidades sudanesas" até que o poder seja entregue a "um governo transitório civil que represente a força revolucionária".
Acusado de crimes de guerra
Omar al-Bashir é alvo de acusações de instâncias jurídicas internacionais por responsabilidades em crimes de guerra na região de Darfur. Está sujeito a vários mandados de prisão pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), por presumivelmente ser responsável por execuções no Darfur.
Alemanha, França, Reino Unido, Bélgica, Polónia e Estados Unidos da América (EUA) solicitaram já uma reunião do Conselho de Segurança da ONU. A sessão à porta fechada está prevista para sexta-feira (12.04) e foi convocada pelos cinco membros da União Europeia (UE) presentes no Conselho de Segurança, presidido pela Alemanha.
A Comissão Europeia está a acompanhar no terreno a situação do Sudão e pediu uma "transição política pacífica" sem recorrer "a qualquer forma de violência". "Estamos em contacto com os membros do Governo e com os partidos para acompanhar a situação. A nossa delegação [da UE] no terreno vai continuar a fazer o seu trabalho", adiantou a porta-voz da Comissão Europeia para a política externa, Maja Kocijancic. A ministra da Defesa da Alemanha, Ursula von der Leyen, também saudou a destituição do Presidente sudanês.
União Africana condena golpe militar
O presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat, está a "seguir de perto" os acontecimentos no Sudão, mas considera que esta "não é a resposta apropriada". Numa nota publicada no portal online da Comissão da UA, o responsável lembra a Declaração de Lomé, de 2000, que "condena fortemente qualquer mudança de Governo de forma inconstitucional e que coloca os Estados-membros a respeitar o Estado de Direito, os princípios democráticos e os direitos humanos".
A Rússia também anunciou que está a "observar de perto" a situação. "Esperamos que não aconteça uma escalada da tensão que possa levar à morte de mais cidadãos sudaneses", declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, citado pela agência oficial russa TASS. "Esperamos que a situação volte o mais rapidamente possível ao caminho constitucional", acrescentou o porta-voz, enfatizando que se trata de um "assunto interno dos sudaneses".
O Egito também expressou o seu apoio "à escolha e vontade do povo sudanês." Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros egípcio pediu à comunidade internacional para ajudar o vizinho Sudão a ter uma transição pacífica. Durante o regime de Omar al-Bashir, as relações entre os dois países viveram um período tenso, depois de o Sudão ter apoiado a Etiópia na construção de uma grande barragem no rio Nilo, pondo em risco o abastecimento de água ao Egito.
Manifestações na capital
Na capital, Cartum, os militares posicionaram-se em vários pontos da cidade durante a madrugada, nomeadamente junto dos edifícios da televisão e da rádio públicas. De acordo com a AP, vários veículos militares foram enviados para junto das principais pontes sobre o Nilo, em Cartum, enquanto milhares de populares mantinham as concentrações de protesto em vários pontos da capital, sobretudo junto ao quartel-general do Exército.
Os protestos no país, que começaram em dezembro de 2018, foram provocados pelo aumento do preço do pão, mas rapidamente se transformaram num movimento de contestação ao regime e intensificaram-se nos últimos dias, com a população a pressionar os militares a forçar a demissão do Presidente.
O Comité Central de Médicos do Sudão, uma organização sindical da oposição, afirma que aumentou para 22 o número de mortos, desde sábado (05.04), entre os quais cinco militares que defendiam os manifestantes dos elementos do corpo da polícia.
A mesma organização refere que 153 pessoas ficaram feridas, sendo que um número "significativo" de feridos se encontra em estado grave pelo que admite que o número de mortos pode aumentar nos próximos dias.