Sudão: Militares e oposição acordam transição de três anos
15 de maio de 2019O anúncio foi feito pelo porta-voz do Conselho Militar de Transição sudanês. O tenente-general Yasser Atta diz que nos primeiros seis meses serão assinados acordos de paz para acabar com a violência contínua no país. O futuro conselho legislativo deverá ser constituído por 300 membros, com pelo menos três quartos deles provenientes do movimento civil. Espera-se que um acordo completo e final seja finalizado dentro de 24 horas.
O acordo foi alcançado após a morte de cinco pessoas, incluindo um oficial do exército, alvejadas durante protestos na noite de segunda-feira (13.05). O porta-voz do movimento civil Declaração de Liberdade e Mudança de Forças, Madani Madani, disse que o ataque será investigado: "O Conselho Militar anunciou a formação de uma comissão para investigar o ataque contra manifestantes."
Nos protestos, os manifestantes queriam expôr a sua insatisfação com o acordo celebrado anteriormente com o exército. Militares e oposição tinham chegado a acordo sobre a composição do novo governo de transição, que prevê a designação de um conselho de soberania controlado pelos militares até às próximas eleições. Em princípio, os civis também deveriam ser membros deste conselho, mas faltava negociar a ocupação concreta do órgão.
Violência contra manifestantes
Ainda não está claro quem proferiu os disparos. O exército fala em "elementos não identificados", o que poderia indicar uma divisão dos militares. No entanto, alguns manifestantes e analistas defendem que os disparos teriam sido feitos pelo exército.
"Foram os soldados que levaram a cabo este ataque. Eles vestiam uniformes das forças de intervenção que são parte do exército sudanês e foram eles que mataram e feriram as pessoas", afirma o jornalista sudanês Alsanosi Adam. Segundo relatos, os soldados usaram gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes em outras partes da cidade, na segunda-feira.
Mas também há outras possibilidades, diz a analista Amani al-Tawil do Centro Al-Ahram para Estudos Políticos e Estratégicos, no Cairo. Por exemplo, ex-membros dos serviços de segurança e inteligência do ex-Presidente Omar al-Bashir poderiam ser responsáveis pela violência.
"Eles podem estar lá fora para impedir a aproximação entre a junta militar e a Aliança para a Liberdade e a Mudança, pois agora temem que depois do governo de Al-Bashir eles tenham de ser julgados", afirma.
Também se fala no eventual envolvimento de membros do Movimento Nacional Islâmico, outrora filiados ao Presidente deposto Omar al-Bashir, para forçar o conselho militar a integrá-los no processo.
Frustração de ambos os lados
O analista político Tobias Simon tem uma opinião diferente: considera que os tiros foram disparados numa situação já difícil, exacerbada pela frustração de ambos os lados. Os manifestantes estariam insatisfeitos com o facto de os militares ainda estarem envolvidos no governo.
O exército, por outro lado, estaria desiludido porqueos protestos continuam, apesar do acordo parcial já alcançado. "É muito positivo que haja um roteiro básico sobre a forma como o Sudão deverá ser governado nos próximos meses e anos até ao final do período de transição. Há, naturalmente, uma série de pontos onde os conflitos podem e irão surgir, porque só foi definida a estrutura básica", lembra.
Apesar disso, a situação no Sudão é melhor do que noutros países do continente, defende o analista. "Se compararmos a situação no Sudão com a situação na vizinha Líbia ou no Egito, por exemplo, é óbvio que a situação poderia ter evoluído de forma muito diferente", acrescenta.
Problemas económicos profundos
O Sudão enfrenta enormes problemas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) espera que a produção económica caia 2,3% este ano. O país ainda não se recuperou da divisão do Sul do Sudão e das perdas de campos petrolíferos. O levantamento de algumas sanções pelos Estados Unidos em 2017 também não resultou no impulso esperado. Grande parte da população ainda vive na pobreza. De acordo com o FMI, a produção económica é de cerca de 1960 dólares americanos per capita.
Assim, o Sudão depende da ajuda externa que poderia receber em dobro no futuro. "Desta forma, os Estados do Golfo podem apoiar o Sudão a nível económico. O Egito, por outro lado, poderia ajudar o Sudão através de consultas políticas ou de assistência militar. Isto evitaria o colapso do Estado", diz a analista política Amani al-Tawil. Mas também tornaria o Sudão dependente dos seus parceiros, acrescenta.
O desenvolvimento ideológico do país continua em aberto. Os militares já anunciaram que a Sharia continuará a ser a base jurídica do país. "Está relativamente claro que os islamistas continuam a desempenhar um papel no governo. Mas acho que seria exagerado dizer que os islamistas representam um grande perigo, porque os militares são bastante moderados e não têm grande simpatia pelas forças islâmicas radicais", afirma o analista Tobias Simon.
Se as partes em conflito conseguirem resolver o seu litígio pacificamente, podem também obter o apoio da Europa, pois o Sudão é considerado um país de trânsito importante para os refugiados.
Atualmente cerca de um milhão de pessoas que fugiram não só do Sudão do Sul, mas também da Eritreia, encontram-se no Sudão. O país é também uma passagem para muitas pessoas da África Central e Oriental que estão a caminho da Líbia para seguir rumo à Europa. A União Europeia está a tentar controlar os movimentos de refugiados e, para tal, depende também do Sudão. O país é visto ainda como um parceiro na luta contra os grupos extremistas na região do Sahel. Se conseguir manter o conflito sob controlo, poderá contar com mais apoio.