Urnas eletrónicas dividem opiniões em África
6 de maio de 2018Motins, instabilidade e protestos: A oposição da República Democrática do Congo exige que o Presidente Joseph Kabila abandone o cargo. O mandato presidencial terminou no final de 2016, mas Kabila tem vindo a adiar as eleições. Agora, estão previstas para dezembro.
Mas não são apenas os adiamentos que preocupam a oposição. Cerca de 60 mil urnas eletrónicas devem ser usadas na votação. "Sem máquinas não há eleições", diz o comité nacional eleitoral. Segundo a CENI, sem urnas electrónicas a data da eleição não pode ser respeitada. Mas o líder da oposição, Felix Tshisekedi, fala em "máquinas de fraude".
As autoridades congolesas, no entanto, apontam a rapidez, a eficiência e a transparência como vantagens das urnas electrónicas. E a RDC não é o único país a adoptar sistemas do género. "Dada a rapidez com que as coisas estão a avançar, não podemos fugir da tecnologia, temos de a abraçar. De um modo geral, os países africanos estão a aderir à tecnologia muito rapidamente", diz Rhoda Osei-Afful, do Centro de Investigação para o Desenvolvimento Democrático no Gana.
Uma questão de confiança
Alguns países ocidentais, como a Holanda e a Irlanda, abandonaram as urnas electrónicas dado o risco de manipulação. Mas cada vez mais países africanos optam por meios electrónicos na realização de eleições.
Um exemplo é o registo biométrico de eleitores. Mais de metade dos países africanos identificam os eleitores pela impressão digital ou pela leitura da retina, para impedir que uma pessoa vote mais do que uma vez ou que alguém vote com outra identidade.
De um modo geral, as máquinas são apenas um passo no processo, tal como acontece na República Democrática do Congo: apesar de serem utilizadas urnas electrónicas para votar, os boletins de voto também são impressos e contados.
"As máquinas de voto electrónico são caixas negras. O software, na maioria das vezes, não é aberto. Diria que em 99% das vezes é operado por uma única instituição, por isso é preciso confiar nessa instituição, acreditar que está a fazer a coisa certa, sem manipular as eleições", sublinha Leonardo Gammar, fundador da empresa suíça Agora, que desenvolve novos sistemas de votação electrónica. "Por outro lado, é preciso confiar no nível de segurança do servidor da instituição", acrescenta.
Credibilidade em causa
Na RDC, a oposição duvida da credibilidade das urnas electrónicas. Com razão, diz Gregor Jaecke, director do gabinete da Fundação Konrad Adenauer no país: "A oposição está contra as urnas electrónicas porque suspeita de fraude eleitoral, mas, depois, a Comissão Eleitoral diz ‘ok, se não querem as urnas electrónicas, nós também não podemos realizar as eleições a 23 de dezembro de 2018', a data anunciada. Já há um jogo político".
E não há garantia de que as urnas electrónicas vão funcionar de forma correcta. Até a Comissão Eleitoral da Coreia do Sul – onde as máquinas foram fabricadas – se distanciou do uso da tecnologia. Na apresentação ao Parlamento congolês, no início do ano, alguns dos aparelhos falharam.
Os próprios congoleses não confiam nas máquinas. E esta falta de confiança popular pode criar ainda mais riscos, dizem os especialistas. "Por um lado, é importante ter em conta o ‘ciber-risco', o real risco de ataques informáticos. Outra questão é a percepção de todos estes sistemas. Não é preciso atacar um sistema se for criada a percepção de que esse sistema é fraco, que pode ser manipulado. As pessoas simplesmente não confiam nele", explica Peter Wolf, director técnico no Instituto Internacional para a Democracia e Apoio Eleitoral.
Segundo o especialista, assim que as pessoas questionam os resultados, a credibilidade das eleições é posta em causa. No Quénia, a oposição questionou os resultados das eleições de 2017, em parte devido a falhas no sistema electrónico. Seguiram-se protestos violentos.
Desafios adicionais
Na RDC, há outros factores que dificultam o uso de urnas electrónicas: 46 milhões de pessoas estão registadas para votar. A maioria verá as máquinas pela primeira vez no dia das eleições. As urnas funcionam apenas em francês, língua oficial, num país onde se falam mais de 400 línguas e dialectos. E muitos congoleses não sabem ler nem escrever. Segundo os observadores, seria preciso formar 600 mil funcionários eleitorais para a realização das eleições – um enorme esforço logístico.
A agravar a situação está a falta de infraestruturas no país. O transporte para as zonas remotas é um desafio e as falhas eléctricas são comuns. Altas temperaturas e humidade podem também afectar o funcionamento das máquinas.
Problemas que já são conhecidos noutros países. Nas presidenciais de 2012, o Gana usou pela primeira vez um sistema de identificação biométrica de eleitores e muitas máquinas falharam no momento da verificação. Mas há paises onde a tecnologia funciona. Em 2014, a Namíbia usou o voto electrónico pela primeira vez – do registo eleitoral à contagem dos votos – sem grandes incidentes. E isto foi possível, entre outros factores, porque a tecnologia foi amplamente testada previamente. Países de grandes dimensões como a Índia e o Brasil utilizam sistemas do género. Mas, ao contrário da RDC, introduziram as urnas electrónicas de forma gradual.