Vítimas sem justiça em 3 anos de insurgência em Cabo Delgado
7 de outubro de 2020A Amnistia Internacional (AI) lamenta que as vítimas do conflito em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, "que matou mais de 2000 pessoas", continuem a "lutar por justiça, verdade e reparação."
Num comunicado alusivo aos três anos do início da insurgência na região, a organização de defesa dos direitos humanos volta a pedir uma investigação independente a crimes cometidos contra civis. "As autoridades não conseguiram responsabilizar criminalmente todos os suspeitos de terem cometido crimes contra o direito internacional e violações de direitos humanos", critica.
A Amnistia recorda que o primeiro ataque levado a cabo por membros de um grupo armado que se autointitula "Al-Shabaab" ocorreu em outubro de 2017, na zona de Mocímboa da Praia, visando instituições governamentais e provocando a morte de dois agentes. Desde então, acrescenta, "há mais de 300 mil deslocados e os civis são vítimas de atos de violência, que se tornaram cada vez mais graves."
"Este grupo armado é responsável por um sofrimento indescritível em Cabo Delgado. Eles reduziram casas a cinzas através de ataques coordenados de fogo posto, mataram e decapitaram civis, saquearam alimentos e propriedades, e forçaram centenas de milhares a fugir das suas casas", explica o diretor para a África Oriental e África Austral da AI, Deprose Muchena.
Provas contras as forças de segurança
Membros das Forças Armadas de Moçambique têm sido responsabilizados por crimes pela AI e outras organizações internacionais, que em setembro condenaram atos retratados em vídeos distribuídos nas redes sociais com práticas de tortura e outras violações de direitos humanos. Mas o Governo moçambicano garante que são montagens e saiu em defesa dos militares e polícias.
"Há provas de que as forças de segurança também cometeram crimes contra o direito internacional e violações de direitos humanos, incluindo desaparecimentos forçados, tortura e execuções extrajudiciais", reafirma a Amnistia Internacional, acrescentando que os crimes "são agravados pelo facto de as autoridades moçambicanas não permitirem que jornalistas e investigadores locais e internacionais documentem esta situação sem que sofram consequências".
"As violações contra a população civil devem terminar imediatamente" e "as autoridades moçambicanas devem garantir que nenhum suspeito de crime, incluindo as forças de segurança, fique impune", defende ainda Deprose Muchena.
A AI pede ainda que seja iniciada "uma investigação independente e imparcial sobre estes graves abusos" e "se houver provas admissíveis suficientes, devem ser feitas acusações em julgamentos justos perante tribunais civis comuns".
Crise humanitária
Segundo a AI, os ataques violentos do grupo "aumentaram 300%" nos primeiros quatro meses de 2020, em comparação com o mesmo período do ano passado.
"A situação desencadeou uma crise humanitária, com mais de 2000 mortos, 300 mil deslocados internos e 712 mil pessoas com necessidade de assistência humanitária", refere ainda a organização.
De acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários, mais de 350 mil pessoas enfrentam grave insegurança alimentar.