Zelenski: De comediante a herói na Ucrânia
1 de março de 2022Ator e comediante político, Volodimir Zelenski decidiu mudar de carreira e concorrer ao cargo público mais alto do país. Foi subestimado até pelos seus apoiantes. No entanto, tem uma capacidade de comunicação que o distingue dos restantes políticos, especialmente em tempo de crise.
Zelenski faz lembrar o antigo ator de Hollywood Ronald Reagan, que se tornou Presidente dos Estados Unidos. A 12 de junho de 1987, na Porta de Brandemburgo, em Berlim, Reagan pronunciou palavras que, até hoje, são citadas sempre que alguém se refere ao período que encerrou a Guerra Fria: "Senhor Gorbachev, abra este portão, derrube este muro".
Quase 45 anos depois, um homem com experiência semelhante em entretenimento, fala com os seus compatriotas em mensagens de vídeo, dirigindo-se a eles como "Pessoas livres! País livre!".
"Nós, ucranianos, somos uma nação pacífica. Mas se ficarmos calados hoje, amanhã partiremos!", é o tipo de frases que explica como o Presidente ucraniano comunica.
Zelenski critica ferozmente a falta de apoio do exterior, "precisamos de uma coligação antiguerra. Estamos a defender o nosso país sozinhos. As forças mais poderosas de todo o mundo estão só a ver".
De comediante a Presidente da Ucrânia
Ronald Reagan morreu há 18 anos, mas muitos nos EUA ainda o admiram; para alguns, é praticamente um santo. Zelenski parece estar a construir um estatuto semelhante na Ucrânia.
O seu futuro é incerto durante estes dias de guerra. Circulam relatos de que o Presidente é um alvo do Kremlin a abater. O próprio Zelenski especulou que um dos objetivos do Presidente russo, Vladimir Putin, seria derrubá-lo.
Há apenas alguns anos, Zelenski era um ator e artista. Satirizou a corrupção e a má administração na Ucrânia ao interpretar o Presidente ucraniano na série ucraniana O Servo do Povo.
Eleito em 2019 como Presidente, tornou-se um orador sério, com capacidade de dar o tom certo ao seu discurso, aparentemente sem esforço, mesmo em momentos de crise.
Zelenski, um excelente comunicador
Com a invasão de Putin, a situação na Ucrânia parece agravar dia após dia. Com isto, também os apelos de Zelenski sobem de tom.
Há quem considere o seu discurso após a invasão como o melhor da sua vida. De forma emotiva, destemida e resoluta, dirigiu-se às tropas russas: "Se atacarem, verão os nossos rostos, não as nossas costas!".
Outra das habilidades do Presidente é a comunicação através do Twitter. Escreve com frequência declarações concisas, escritas para o mundo.
"Continue assim, chanceler Olaf Scholz!", escreveu Zelenski em inglês e ucraniano na sua conta, depois da Alemanha anunciar o envio de equipamento militar, incluindo mísseis terra-ar Stinger.
Duelo mediático contra Vladimir Putin
A Ucrânia pode estar atrás da Rússia em termos militares, mas no que toca à retórica, a vitória parece ser de Zelenski.
Depois do discurso elaborado de uma hora do Presidente russo, em que Vladimir Putin reconheceu a independência das regiões separatistas de Lugansk e Donetsk, o chefe de Estado ucraniano apelou brevemente aos seus compatriotas: "Não entrem em pânico! Somos fortes e estamos prontos para o que for."
Por outro lado, Putin faz alegações infundadas de "genocídio" no leste da Ucrânia e de "desnazificação" como pretexto para a guerra. Para Zelenski, isso é absurdo.
O chefe de Estado ucraniano cresceu numa família russa e é judeu. O seu avô esteve alistado no Exército Vermelho e perdeu três irmãos no Holocausto.
Críticas a Zelenski
A popularidade de Zelenski nunca foi tão grande quanto agora. No entanto, antes da guerra com a Rússia, muitos dos seus compatriotas estavam insatisfeitos com o chefe de Estado.
Zelenski foi incapaz de cumprir a sua promessa ambiciosa de há três anos, em como acabaria com o conflito no leste da Ucrânia.
O progresso previsto nos acordos de Minsk não se concretizou. Em vez disso, os acordos foram-se lentamente desintegrando.
Além disso, o escândalo em torno dos Pandora Papers, em que Zelenski e pessoas próximas a ele estariam envolvidos, não passou despercebido. Uma investigação de uma rede internacional de jornalistas revelou que o Presidente ucraniano possui empresas offshore que foram pagas indiretamente por um oligarca.
No final da década de 1970, Ronald Reagan era visto como um homem ultrapassado. Tinha falhado duas vezes em ser o candidato presidencial republicano, perdendo as primárias para Richard Nixon, em 1968, e Gerald Ford, em 1976.
Ainda assim, em 1979, a União Soviética invadiu o Afeganistão, a Guerra Fria estourou novamente e, um ano depois, Reagan venceu a eleição dos EUA contra o então Presidente democrata Jimmy Carter.
Mais de quatro décadas depois, o mundo enfrenta uma nova versão da Guerra Fria após o ataque da Rússia à Ucrânia. E o papel de Volodimir Zelenski ainda não foi determinado.