"É o fim de uma era de impunidade"
5 de março de 2016A brasilianista americana Barbara Weinstein observa com atenção os desdobramentos da operação Lava Jato. Professora da Universidade de Nova York, ela nota com preocupação o acirramento da retórica política e destoa das vozes crescentes em favor de um impeachment da presidente Dilma Rousseff, sobretudo, após o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Polícia Federal. Ela destaca o fim da era da impunidade no Brasil e adverte que uma saída de Dilma deixaria um vácuo político no país.
DW Brasil: Quando as investigações da Operação Lava Jato chegam ao ex-presidente Lula, isso significa que, necessariamente, atingem também a presidente Dilma Rousseff?
Barbara Weinstein: É muito difícil que não alcancem a presidente Dilma Rousseff. É um momento que exige muita cautela e responsabilidade. Todos sabem da proximidade entre os dois, mas as alegações e suspeitas de corrupção, até agora, recaem apenas sobre Lula. Legalmente ainda não há nada contra ela. Ainda é cedo para decretar o fim do governo Dilma.
Muito vai depender agora de Lula. Se algo for comprovado, pode ser que ele ou os políticos do PT decidam não pagar essa conta sozinhos e façam esforços para implicá-la. Diria que Dilma tem chances de sobreviver politicamente, porque ainda não há acusações concretas.
Mas também porque o país tem instituições sólidas e, ainda, porque este escândalo envolveu com tamanha gravidade tanta gente do alto escalão político do Brasil, de todos os espectros, que é difícil imaginar quem a poderia substituir. Quem seriam os anjos capazes de trocar desarranjo por normalidade? Não há.
Os apelos pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff voltaram a ganhar força. Como você avalia o fato de os brasileiros verem na Presidência uma instituição suprema, única, total responsável pelos acertos e desacertos do país?
O Brasil tem um sistema presidencialista muito forte, onde o Legislativo pouco pode fazer sem o respaldo do presidente. A América Latina tem uma relação mais forte, de amor e ódio com o governante da vez, diferente da Europa, por exemplo, onde na maioria dos países parlamentaristas, os partidos são mais responsabilizados. Na atual situação brasileira, acho que Dilma tentou governar e fez esforços, mas as investigações e a crise política não permitiram.
Mesmo que ela fosse a rainha das desculpas públicas, a rainha da boa oratória, ela acabaria muito criticada agora. E isso tem muito a ver com a situação econômica. Além do cenário interno, a queda do preço das commodities no mercado internacional afetou gravemente o Brasil. Quando a economia vai mal, cresce a insatisfação. As pessoas criam uma noção de como a economia deveria ser, mesmo que não entendam nada de economia, e quando a realidade não corresponde a esses desejos, crescem as críticas.
Após o depoimento do ex-presidente Lula, já houve diversos protestos pró e contra o PT no país, mais polarizado do que nunca. Há quem fale em golpe e até guerra civil. Que riscos reais você vê para os brasileiros neste momento?
É preciso tomar muito cuidado com essa retórica. O Brasil já viveu momentos piores. Não estamos no início dos anos 1960 e não vai haver um golpe. O que me preocupa mais é que essa crise política interfira ainda mais na economia, pois milhares de brasileiros que viviam em condições muito ruins tiveram suas vidas melhoradas nos últimos anos.
Eles não vão querer voltar para trás. Independente do desfecho das investigações e do futuro político do governo Dilma, haverá um período difícil, talvez longo, onde será difícil para qualquer um criar consenso para governar.
Num país onde há décadas o engajamento político parecia inexistente, a que podemos atribuir toda essa polarização a qual assistimos agora?
A polarização brasileira não é pior que a americana neste momento, onde assisto [ao pré-candidato republicano] Donald Trump dizendo absurdos diante de pessoas que o aplaudem. Não consigo compreender isso. A única diferença é que o padrão de vida dos americanos é melhor. Nossa política talvez seja mais disfuncional do que a de vocês. Existe é um desejo de mudança. E no Brasil, muitas pessoas até então excluídas agora querem fazer parte da democracia e do desenvolvimento.
E é possível descontruir essa polarização?
Acho que para impedir a polarização política é preciso um certo grau de respeito pelas pessoas, mesmo por aquelas de quem você discorda. Eu acho que parte do problema é que você tem uma grande classe média e média alta que ainda não tem muito respeito por aqueles que não têm os mesmos privilégios e vantagens. Isso alimenta a polarização.
O problema é o crime, a pobreza e o racismo contínuo que criam tensões que, surpreendentemente, os brasileiros conseguem administrar. Sempre me pareceu incrível em anos de estudo do Brasil quanto os brasileiros conseguiram evitar, como revoluções, guerras civis e tantas outras crises que outros países enfrentaram. Espero que, mais uma vez, apesar de toda a fúria, as dificuldades e da retórica dura, o país contorne este momento sem nenhum grande conflito político.
Quando observa a operação Lava Jato e as denúncias gigantescas de corrupção, o que mais lhe chama a atenção?
Presumia-se que quanto mais próspero e moderno o Brasil ficasse, menor corrupto se tornaria. Mas o fato é que o desenvolvimento econômico criou mais oportunidades para a corrupção. Em algum grau, ainda existe uma percepção entre uma parcela da população de que nunca se sabe quanto tempo a prosperidade vai durar.
O Brasil tem momentos de grande prosperidade, passa por fases de recessão, e a noção geral é de que é preciso ganhar a maior quantidade de dinheiro possível, mesmo que isso exija fazer coisas completamente fora da lei. Existe também uma noção de que a política é uma maneira de ficar rico.
Seria um problema de educação?
Não, não é apenas educação. Como disse, não compreendo como pessoas educadas nos Estados Unidos podem aplaudir certos discursos de Donald Trump. O que acho importante destacar é que a própria existência da operação Lava Jato demonstra outro lado do problema, mostra o desejo dos brasileiros, incluindo alguns políticos, de criar uma sociedade livre de corrupção.
Muitos países vivem atolados em corrupção porque ninguém investiga. O Brasil tem muita corrupção e muita vontade de se livrar dela. Isso significa que há gente sendo investigada, gente presa, gente em detenção domiciliar. E isso está crescendo porque há um choque entre esses dois lados, os corruptos e aqueles que querem se livrar da corrupção.
É o fim de uma era de impunidade. O desejo de acabar com a impunidade vem crescendo no Brasil. Quando não há escândalos de corrupção, há fortes indícios de que há apenas corrupção. Vemos o início de uma mudança. É claro que não é apenas a Lava Jato que vai acabar com a corrupção, mas é um passo.