Êxodo do Brasil é justificável, diz "imigrante da bola"
21 de maio de 2005Enquanto alguns brasileiros sonham com um curso de aperfeiçoamento na Europa, um upgrade profissional ou simplesmente com uma evolução cultural, outros atravessam o Oceano Atlântico atrás do sonho dourado que a bola de futebol cria na mente de qualquer garoto.
Os astros brasileiros que ganham milhões de euros anualmente fazendo gols estão por aqui. São mundialmente famosos, carregam o status de super-heróis e são badalados por onde passam.
Mas até que ponto o risco compensa? Como anda o custo-benefício da vida dos que deixam os seus lares no Brasil para enfrentar o frio, as incertezas, as dificuldades e, muitas vezes, a decepção?
Vinícius, de 24 anos, é um exemplo positivo. Foi criado no Ituano, no interior de São Paulo, defendeu o São Caetano e o Gama no país natal e aceitou o desafio de vestir a camisa do Hannover, clube do norte da Alemanha.
Assinou um contrato longo, até junho de 2007, mas desembarcou projetando a já famosa "ponte" para o clube grande da Europa. E, enquanto batalha para atravessá-la, o zagueiro aproveita para dizer, em entrevista à DW-WORLD, que os esforços só se tornam válidos quando há uma certa garantia.
Ao mesmo tempo, o defensor acredita que o êxodo de jogadores de futebol do Brasil é justificável – a Alemanha, por exemplo, importou 44 brasileiros em 2002 e só perdeu para Portugal (132). Trouxe 56 no ano seguinte, 30 em 2004 e seis até março desta temporada.
Em todos os rankings, é o país que está sempre entre os três primeiros no mercado de "importação" de promessas canarinhas. A transmissão de jogos, os salários três vezes mais altos e a segurança, para Vinícius, sobrepõem-se às barreiras.
DW-WORLD – Você chegou à Alemanha em 2003 bastante jovem e depois de ter passado pelo São Caetano, Gama e Ituano. Como foi a sua chegada ao país? De que maneira você veio parar aqui?
Vinícius – Eu estava no Ituano e, em 2002, no primeiro semestre, fomos campeões paulistas. Um pessoal do Hannover estava lá assistindo a algumas partidas e eles se interessaram por mim. No momento não deu certo, mas em dezembro voltaram a entrar em contato e aí acabamos acertando tudo.
Como foi a sua carreira no Brasil?
Então, eu comecei no Ituano e fiquei lá até o começo de 2001. Fui emprestado para o São Caetano em março e fiquei até dezembro, quando voltei para o Ituano para disputar o Paulista de 2002 e ficar até julho. Fui então para o Gama, fiquei até o final do ano e em janeiro de 2003 vim para o Hannover.
Por que você resolveu sair tão cedo do Brasil? Não teria sido melhor ficar mais tempo lá, se tornar mais conhecido e partir para um clube de maior expressão?
Até poderia ter acontecido isso, mas naquele momento apareceu um time da Primeira Divisão da Alemanha, que tem um grande campeonato. Eu tinha a intenção de vir para a Europa e não pensei duas vezes. Vim direto e não me arrependo de nada. Sei que poderia ficar mais tempo no Brasil e vir direto para um time grande, mas poderia também acontecer o contrário. Tenho passaporte italiano e isso facilitou também.
Os comentários dizem que você chegou à Alemanha, impressionou a torcida, os dirigentes, virou titular e depois se machucou. Como foi essa sua trajetória?
Os quatro primeiros meses foram os melhores e os mais surpreendentes. Eu cheguei bem, fisicamente, porque estava fazendo pré-temporada com o Ituano em Ribeirão Preto, com 40 graus e cheguei aqui com menos cinco, menos sete. Achei que o idioma e a culinária seriam obstáculos, mas isso não aconteceu. Fui muito bem recebido, virei titular e depois de um ano tive esta lesão no tornozelo direito. Fiquei dois meses parado e neste período tivemos troca de treinador e, desde que me recuperei, estou treinando para recuperar a posição. Tenho até atuado em outras posições. Estou jogando como lateral-esquerdo e até volante, algo diferente para mim.
Você tem no Hannover a companhia do Leandro Fonseca. Como é a sua relação com ele e com os demais jogadores do elenco?
O Kleber, que era do Corinthians, também esteve aqui no ano passado. Agora ele está no Basel, da Suíça. O meu relacionamento é ótimo com eles. Com o Leandro posso falar português e isso é muito bom. E não tenho problema com nenhum, sou o cara que brinca com todos no time.
Como você explica o êxodo de jovens jogadores do Brasil? Por que você acha que muitos têm saído do país, bem novos, para tentar algo na Europa?
Eu acho que o maior motivo é a grande propaganda dos campeonatos. A quantidade de jogos dos times europeus que é transmitida no Brasil é muito grande. Todo domingo o pessoal está vendo um jogo do Barcelona, do Milan e isso encanta os jovens jogadores. É um outro futebol, tem um algo a mais do que o futebol brasileiro. O pessoal diz que o Brasil está organizado, mas na minha opinião não está. Então o pessoal se encanta com isso, quer vir logo e estar no meio desses jogadores famosos. Mesmo que venha para um time pequeno, todos sonham com a ponte. Pensam em fazer um campeonato bom e a partir daí se projetarem para um time grande. Há a parte financeira, mas este encanto fala mais alto.
E você acredita que esta tal "ponte" é algo real, ou no fundo isso é uma grande ilusão?
Não, eu acho que eles têm que vir atrás, sim. É difícil ficar longe de tudo, mas a organização e a segurança e a tranqüilidade que a Europa oferece compensam. Eu até recomendo, porque no Brasil hoje em dia as coisas não estão bem. Temos problemas de violência, de organização e aqui a vida do jogador é mais longa. Treinamos menos, os clubes são mais cuidadosos com os atletas, e isso pesa. Mas tem que ser diretamente com o clube, não com aquele tipo de empresário que pega o garoto jogando na praia e faz promessas. Eu recomendo, mas desde que o contrato seja correto. Não no escuro.
Quais são os seus planos na Alemanha? Ficar no Hannover até o final do contrato, ou acelerar o seu processo de transferência para um clube maior?
Eu tenho a idéia de permanecer no clube, claro. E mais para a frente quero ficar na Europa, até os 30, 32 anos. Se estarei no Hannover ou não, é uma incógnita ainda.
Depois da sua lesão no tornozelo, você se viu obrigado a atuar em outras posições. Teve que mudar alguma características? Como você classifica hoje o seu futebol?
Eu tive que mudar para jogar no meio-campo e na lateral. Precisei de muito mais preparo físico e força. Sou destro, e jogar na esquerda é difícil. Preciso pensar mais rápido, ser mais técnico.
Que tipo de problemas você enfrentou quando chegou aqui? E qual é a sua rotina?
O maior foi o frio. Até hoje ainda sinto bastante. Estava acostumado ao calor do interior do São Paulo, que dura o ano inteiro. E aqui cheguei a pegar menos sete graus. A minha rotina é bem tranqüila. Treino, volto para casa, fico na internet e no telefone com os amigos. O máximo é sair com o pessoal do time, gosto de ir para Hamburgo e jogar boliche.
Há dois anos e meio aqui, como você compararia o futebol brasileiro ao alemão?
Não há muita semelhança. Aqui é muito mecânico e teórico. No Brasil é sempre aquele futebol do improviso, com algo novo a cada dia. Aqui sempre se sabe o que será feito. Nos treinos e nos jogos. Isso se transmite para dentro de campo, e o jogador não tem muita criatividade. Eu acho que a presença dos brasileiros na Alemanha contribui muito para o futebol deles. Não só dentro de campo, mas fora também. A gente brinca muito com o pessoal, faz brincadeiras. Eu vejo alguns jogadores entrarem em campo para treinar e parece que eles saíram do cassino depois de perder um milhão de euros. Estão sempre de cara fechada.
O futebol alemão pode oferecer muita coisa boa para jogadores consagrados mundialmente. O que ele pode oferecer para alguém como você, que ainda não é famoso e bastante jovem?
É claro que eu não tenho nome como o Marcelinho. Mas pelo menos aqui em Hannover o pessoal tem muita consideração, respeito e tudo tem o seu lado bom e a sua medida. Eu quero mais, mas não posso reclamar porque o futebol aqui me oferece muito. Estou aprendendo uma outra cultura, um outro idioma e tudo soma pelo lado positivo.