A cena que acirrou o debate sobre o burquíni
26 de agosto de 2016As fotos apareceram pela primeira vez na noite de terça-feira no tabloide britânico Daily Mail e foram sendo reproduzidas rapidamente pelo mundo. Uma mulher dorme em uma praia de Nice, no sul da França, usando legging preta, uma camisa de manga comprida azul turquesa, além de um véu islâmico da mesma cor. Em outras fotos, é possível ver quatro policiais em torno dela, enquanto ela se senta e fala com eles, despindo a camisa azul-turquesa. Um dos policiais anota algo em seu caderno. As fotos causaram uma onda de indignação e acirraram o debate sobre a proibição dos chamados burquínis nas praias francesas – derrubada nesta sexta-feira por um tribunal do país.
Usuários do Twitter reagiram com o hashtag #WTFFrance. Um internauta escreve, por exemplo: "Uma mulher que cobre a cabeça por Alá voluntariamente com um pano é reprimida, mas uma mulher que é forçada a se despir por quatro policiais é livre." Outra diz: "Vamos deixar de fingir que a França é o país da liberdade e da igualdade, se ela permite uma coisa dessas". Outros, ainda, publicam imagens de freiras, com seus hábitos, na praia. "E quanto a elas?", pergunta outra.
Autoridades desmentem coação
A prefeitura garante que a mulher não foi obrigada a tirar a camisa. "A mulher queria mostrar que estava vestindo um maiô. Mas ninguém a forçou a tirar a camisa", afirma Erwann Le Ho, porta-voz da prefeitura de Nice. "Os policiais disseram que ela só poderia ficar na praia sem a túnica. Então, ela tornou a vestir a camisa e teve que pagar uma multa de 38 euros. Pouco tempo depois, ela foi embora da praia, de forma pacífica."
Um porta-voz da polícia concorda. "No caso de uma lei como essa, não podemos forçar as pessoas a nada, a não ser para verificar a identidade de alguém. Ela tirou a camisa voluntariamente", ressalta Philippe Steeve, do sindicato local dos policiais. No entanto, é difícil verificar a versão oficial, pois o nome da mulher continua desconhecido.
As imagens foram feitas por um fotógrafo da agência Bestimages. Alguns – como o cientista político Laurent Bouvet – suspeitam que o fotógrafo tenha montado a cena, a fim de testar se a proibição está sendo efetivamente aplicada. "É inteiramente apropriado fazer aqui algumas perguntas", Bouvet escreve em sua página no Facebook. Ele se surpreende que a mulher tenha se deitado para dormir sobre as pedras duras sem uma bolsa de banho e também que a série de fotos comece mesmo antes de a polícia abordar a mulher.
São acusações que a Bestimages rejeita. "Eu lhe asseguro que nesta série de imagens não houve nada montado ou encenado", diz um gerente da agência em entrevista ao jornal francês Libération. O fotógrafo quer permanecer anônimo.
De qualquer forma, as fotos incendiaram ainda mais um debate que há duas semanas é tema dominante na mídia europeia. E mostram que esta proibição não é só contra burquínis – afinal, a mulher na praia vestia véu islâmico, calça e camisa de manga comprida. Mais de 20 municípios já adotaram tal proibição, depois de Cannes.
A ONG Liga Francesa pelos Direitos Humanos (LDH) e o Coletivo contra Islamofobia da França (CCIF) entraram com recurso contra os decretos e levaram a questão até a mais alta instância da jurisdição administrativa do país, que decidiu contra proibição. O imbróglio jurídico deve continuar.
Os políticos locais que lançaram as proibições afirmam que só assim pode ser mantida a ordem pública, pois, segundo eles, os cidadãos podem associar o burquíni com o terrorismo, e isso pode resultar em conflitos. A palavra "burquíni", aliás, não é citada nos decretos. Ele é descrito, entre outras coisas, como "roupas inadequadas, que não respeitam os bons costumes e a separação entre Igreja e Estado".
Jean-Pierre Dubois, jurista e presidente honorário da LDH, considera tudo isso um pretexto. "O que interessa aqui são somente votos, pois os políticos sabem que tais medidas são populares", diz à DW.
Uma pesquisa nesta semana mostra que dois terços dos franceses são contra o burquíni. "Mas assim, nós servimos aos interesses dos terroristas e dividimos a sociedade", diz ele, enfaticamente. O jurista acrescenta que isso iria apenas fazer com que os muçulmanos se sintam ainda mais estigmatizados na França, tornando-os mais propensos ao aliciamento dos terroristas.