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'A lista da morte' de Karl Jäger

22 de fevereiro de 2013

Um burocrata como assassino de milhares de pessoas. O homem que saiu da Alemanha para cumprir uma missão: exterminar os judeus lituanos. Na cidade onde passou a morar no pós-guerra, ninguém queria saber de seu passado.

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Foto: DW

A lista não passa despercebida: ela está pendurada bem na entrada do pequeno Museu Judaico de Vilnius, um modesto prédio em madeira, que abriga documentos do horror e do desespero, mas também de atos heroicos e de solidariedade.

Durante a ocupação alemã, entre 1941 e 1944, houve muitos algozes nazistas em ação na Lituânia: Helmut Rauca, Bruno Kittel, Franz Stahlecker. E ainda Karl Jäger, comandante da SS, diretor da polícia de segurança e arquivista da morte.

Detalhadamente, ele listava quem, onde e quando ia sendo assassinado depois que os alemães invadiram a Lituânia. "Sob as minhas ordens e sob meu comando", escreveu Jäger num papel hoje amarelado, mas ainda legível. Nascido em 1888, na pequena cidade de Waldkirch, na Floresta Negra, filho de um professor de música, ele acabou se tornando conhecido na Lituânia pelas atrocidades que cometeu.

Personalausweis von Karl Jäger
Carteira de identidade de Karl JägerFoto: Hessisches Staatsarchiv Wiesbaden

"Biografia exemplar"

Jäger tocava piano e violino. Mais tarde, viria a construir instrumentos musicais mecânicos, tendo se casado com a herdeira da fábrica de órgãos da cidadezinha onde vivia. Participou da Primeira Guerra Mundial e entrou para o partido nazista, o NSDAP, já em 1923. E se transformou de amante da música em assassino de milhares de judeus.

O historiador Wolfram Wette, autor de um livro sobre Jäger, explica: "Ele era um cidadão comum, uma personalidade agradável de Waldkirch, tido como exemplar, brilhante, correto e culto, e muito admirado pelas mulheres. Aos domingos, marchava orgulhoso com 100 companheiros  da SS pelas ruas da cidade".

Contabilidade detalhada de assassinatos

Pouco depois da invasão alemã à União Soviética, no dia 22 de junho de 1941, Jäger seguiu para a Lituânia como membro da Wehrmacht, o exército alemão, na função de comandante e com a clara incumbência de exterminar a população de judeus do país. Meio ano depois, ele já havia executado a missão.

Em fins de novembro, segundo a lista que deixou, já haviam sido mortas 133.346 pessoas. Orgulhoso, ele registrava: "Toda a Lituânia está limpa de judeus". Colaboradores locais contribuíram para o extermínio, tendo atacado os conterrâneos judeus com extrema brutalidade: um capítulo horrível e ainda tabu na história da Lituânia.

Jüdisches Leben Litauen
Memorial às vítimas mortasFoto: DW/Isaiah Urken

O inferno na terra

Somente em Paneriai, nas proximidades de Vilnius, foram mortos 70 mil judeus pelos chamados grupos de ação nazista. Há relatos de testemunhas sobre os tiros, a fumaça, os gritos das vítimas, os latidos dos cachorros e o último caminho trilhado pelas mulheres, homens e crianças rumo aos campos de extermínio nos bosques de Paneriai.

Para os poucos sobreviventes, restou uma certeza: o inferno era ali. Hoje, o bosque é um lugar de silêncio em memória dos mortos. À sombra das árvores estão memoriais. Os lugares onde ocorreram os assassinatos em massa estão marcados.

Jüdisches Leben Litauen
Local dos assassinatos em massaFoto: DW/Isaiah Urken

Depois da Guerra: assunto reprimido

Jäger voltou em 1945 para sua cidade natal. Ali, ninguém o bombardeou com perguntas desconfortáveis. No entanto, para maior segurança, ele se mudou para as proximidades de Heidelberg, onde jurou sua filiação a organizações nazistas e viveu 15 anos com seu nome verdadeiro como se fosse um cidadão comum e homem íntegro.

"Isso implica obviamente um questionamento a respeito do estado da sociedade alemã naquela época", diz o historiador Wolfram Wette. Somente em fins dos anos 1950 é que o nome de Jäger apareceu nas investigações sobre crimes nazistas. Ele foi então detido e inquirido durante semanas, mas não compareceu mais ao grande julgamento marcado na época, tendo se suicidado em sua cela na prisão.

O último capítulo: defesa e silêncio

Em Waldkirch, o comportamento das pessoas não era diferente daquele de outras regiões da Alemanha: ninguém queria saber do passado. "Nas cidadezinhas do país, preferia-se, depois de 1945, ignorar que Jäger tivesse até mesmo existido", analisa Wette. Ninguém queria se lembrar do assassino de milhares de pessoas: nem os descendentes dele, nem os políticos locais , nem os cidadãos comuns e nem a Igreja.

Historiker Wolfram Wette aus Freiburg
O historiador Wolfram WetteFoto: Florian T. Wette

Quando Wolfram Wette publicou suas pesquisas, no ano de 1989, aconteceram protestos na cidade. O historiador passou 20 anos coletando informações disponíveis sobre o caso. Em 2011, publicou seu livro sobre Karl Jäger. E as reações foram devastadoras: "Eu recebia telefonemas e cartas anônimas", conta Wette.

A ética do historiador

A geração mais jovem, contudo, rompeu com o silêncio. Na escola de ensino médio da cidade, há projetos históricos voltados para o tema. Testemunhas foram convidadas para fazer palestras e exposições foram planejadas. E os sobreviventes lituanos viajaram até a cidade. A discussão se tornou mais objetiva.

E Wolfram Wette, que tanto incomodou Waldkirch com suas pesquisas, diz: "Acho que há uma ética do historiador, uma obrigação frente ao esclarecimento histórico. Para mim, essa obrigação é ainda maior quando sei que outros estão ignorando o assunto".

No pequeno Museu Judaico de Vilnius, o número de visitantes é grande. Eles vêm dos EUA, da Alemanha, da Itália. E observam com atenção as fotos, além de lerem os textos que acompanham a mostra. A frieza da lista de Jäger e de tantos outros documentos ainda hoje deixa os visitantes atônitos.

Autora: Cornelia Rabitz (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer