A luta pelo futuro da Tunísia
13 de maio de 2013Adel não via mais perspectivas de futuro: no dia 13 de março de 2013, o jovem de 27 anos pôs fogo no próprio corpo. No meio de Túnis, no início do dia, na principal rua comercial da cidade. Antes de se imolar, ele teria gritado: "Vejam aqui! Essa é a juventude que vende cigarros". Esse é o desemprego".
Foi um grito contra a pobreza. E um indicador do que não aconteceu nos dois anos transcorridos desde o início da Revolução. Pois a história se repete: a Revolução Árabe também começou com um tunisiano – Mohamed Bouazizi – que se imolou. E da mesma forma que o comerciante de verduras Bouazizi, Adel Khedri também veio do interior do país.
A revolução roubada
Em Souk Jemaa, a terra de Adel, no norte da Tunísia, não se percebe nenhum resultado das decisões do governo recém-formado, nem da Assembleia Constituinte. Como a família de Adel Khedri, vivem três milhões de tunisianos, ou seja, um terço da população: em casas simples, escuras, praticamente sem calefação.
Os políticos os ignoram. Depois da morte de Adel, a ira dos pobres tem se tornado perceptível: o enterro do jovem foi transformado em manifestação popular, na qual pessoas furiosas foram às ruas exigir a renúncia do governo.
Eles, que já vinham sendo ignorados pelos políticos sob o governo de Ben Ali, não veem suas exigências sendo cumpridas, mesmo dois anos depois da Revolução. Ahmed Khazri, primo de Adel, tem uma explicação simples: "Os políticos não fazem outra coisa a não ser debater e brigar pelo poder". Muitos manifestantes da primeira hora também dizem: "Roubaram de nós a Revolução".
Dinheiro e pregadores do exterior
A luta pelo poder na Tunísia encontra-se em pleno andamento: Para onde caminha a sociedade? Rumo à democracia com uma separação clara entre religião e política? Ou em direção a um Estado religioso, no qual as leis e a vida privada são submetidas às regras rígidas da sharia?
Sofiane Chourabi – um blogueiro transformado em jornalista pela Revolução – acredita que a maioria da população do país defenda um sistema político no país aliado ao islã conservador. Um sistema cujas forças recebem muito apoio do exterior. A Tunísia pós-Revolução se tornou conscientemente um campo de ação para os vizinhos ricos, conservadores e sunitas da região, como a Arábia Saudita e o Catar, por exemplo.
"Imediatamente após a Revolução, o Estado tunisiano encontrava-se enfraquecido. E isso acontece até hoje. Essas fragilidades foram usadas por pessoas de fora, interessadas em apoiar extremistas dentro do país e enfraquecer as forças moderadas", analisa o jornalista Salaheedin al Jurshi. O apoio se deu em forma de dinheiro e de pregadores da região do Golfo Pérsico, que chegaram ao país depois da Revolução.
Salafistas apostam na intimidação
"Antigamente, os jornalistas sofriam com as arbitrariedades do Estado autoritário. Hoje, vivenciamos uma nova forma de tirania da própria sociedade", alerta Sofiane Chourabi: grupos de jovens controlam bairros inteiros, intimidam mulheres com vestimentas "não islâmicas" ou homens jovens por consumirem bebidas alcoólicas.
Amel Grami, professora de Igualdade de Direitos e Estudos Interculturais em Túnis, vivencia isso com frequência: ameaças de morte ao telefone e ofensas nas mídias sociais. Grami empenha-se em prol de uma compreensão moderna do islã e por uma ordem social liberal. "Os homens de barba se sentem incomodados. Eles gostam de me chamar de sionista, de pregadora cristã". Grami até evita determinados bairros da cidade, onde não se sente em segurança.
Os salafistas, responsáveis por tais ameaças, são visíveis no país desde a queda de Ben Ali. Estima-se que sejam entre 10 e 20 mil, distribuídos em diversos grupos, diz Chourabi. Mas nem todos são dispostos a cometer atos de violência. Alguns, porém, são próximos da Al Qaeda, diz: "O denominador comum entre esses grupos é a tática de difamar outros, apontando-os como descrentes".
Discurso das mesquitas e quarto dos fundos
Alguns desses grupos formaram-se a partir das Ligas para a Proteção da Revolução, formadas para garantir a segurança e a ordem durante a Revolução. O Ennahda, partido islâmico do governo, também apoia alguns grupos propensos à violência. O partido formou milícias em diversas cidades e povoados, recrutando acima de tudo homens jovens.
Desta forma, jovens sem perspectiva acabaram se transformando "vitoriosos": eles receberam dinheiro, um status social claro e ainda uma incumbência de luta. As milícias hoje são registradas oficialmente e fazem também uso de métodos ilegais.
Essa é a política interna do Ennahda, diz Amel Grami: "O discurso das mesquitas e do quarto dos fundos, que não é levado para o exterior". A consequência disso é a violência e a anarquia – um barril de pólvora que poderá transformar a guerra fria existente no país numa verdadeira guerra civil, diz Sofiane Chourabi. Somente nos últimos meses foram encontrados diversos depósitos cheios de armas no país: "O cerne do problema é que muita gente aceita pagar o preço da violência do Ennahda e do governo", aponta Chourabi.
"Wahabitação" gradual
Fato é que só o Ennahda pode ser considerado partido do povo, presente nas diversas regiões do país, desde as grandes cidades até os pequenos povoados e mesquitas. Mas do início dos protestos o partido não participou. Sob o governo Ben Ali, seus seguidores foram perseguidos e presos, torturados e mortos.
De forma que, com base no partido, foi sendo formado um movimento agregador, do qual ninguém poderia acreditar que se aliaria a uma ditadura. Mesmo porque ele seria a primeira vítima. O líder do partido, Rachid Ghannouchi, aposta em mudanças sociais lentas. "Leis não podem mudar uma sociedade, exceto quando a sociedade quer arcar com essas mudanças", acentua Ghannouchi.
Amel Grami e Sofiane Chourabi chamam isso de "wahabitação", apontando uma postura muito conservadora e dogmática do islã sunita sobre mesquitas e imanes. E com isso uma crença intolerante e em parte fanática, que declara formas de vida diferentes e diversas como "não islâmicas".
A sociedade egípcia passou por isso no decorrer das últimas duas décadas. Para a Tunísia, essa tendência é nova. Chourabi vê surgir "uma ditadura em etapas": "Os parceiros seculares da coalizão de governo não funcionam como corretivos, pois são muito fracos".
Democracia é considerada "não islâmica"
Há, contudo, forças seculares ativas. A médica e ativista Emna Menif, por exemplo, quer despertar o entusiasmo por uma Tunísia liberal e tolerante. Embora ela própria também saiba que "democracia" para muitos tunisianos equivale automaticamente ao "não islâmico". Para muitos, a palavra está até mesmo atrelada ao sistema secular da ditadura de Ben Ali.
A Revolução visou primariamente derrubar o regime, diz Menif. "Mas não havia nenhuma ideia ideológica ou política, que na verdade deveria ter sucedido ao fim desta ditadura", completa. Esse debate sobre a convivência política e social correta, bem como sobre questões de identidade, só está sendo realizado pelos tunisianos agora.
"Nossa política dá pouquíssima atenção às preocupações e medos das pessoas. Por isso ela não é compreendida", diz Menif. E é por isso que muitos tunisianos estão desiludidos, como Hamza, de 28 anos. "A democracia não nos trouxe nada além de ainda mais insegurança", afirma.
Terreno fértil para uma nova ditadura?
Hamza é um entre as centenas de milhares de jovens que têm uma formação profissional, até mesmo com curso superior, e mesmo assim não conseguem encontrar emprego. Ele cursou Letras com habilitação em Francês. No entanto, quando o fluxo do turismo cessou no país, não havia mais ocupação para ele.
Ao ser questionado a respeito de uma participação nas próximas eleições, ele responde com um sacudir de ombros. "Para que isso deve servir?", contesta. E o jovem não é o único a pensar assim. Mais de 50% dos tunisianos não pretendem comparecer às urnas no próximo pleito. Hamza chega a acreditar que a solução para o país estaria num retorno de Ben Ali. "Havia uma ditadura política, mas ela permitia às pessoas normais levarem uma vida normal", analisa.
Por essas e por outras é que a história se repete e a Revolução tunisiana parou no meio do caminho. Para o blogueiro e jornalista Chourabi, a sociedade do país encontra-se, da mesma forma que antes, sob o trauma da ditadura. "Tivemos uma revolução meramente política, que venceu o ditador", diz ele. Isso é mais fácil que uma revolução cultural, que muda as estruturas. "O terreno fértil para uma ditadura estava na sociedade. E havia uma disposição mental. E os sintomas dessa tirania não mudaram, eles continuam presentes em nossa sociedade", conclui.