Desde o início da atual temporada da Bundesliga, em meados de agosto, o público finalmente pôde voltar aos estádios, ainda que de forma limitada. No máximo, são permitidos 25 mil espectadores para as grandes arenas, como as de Berlim, Frankfurt e Dortmund, enquanto que para estádios menores é permitida uma lotação máxima de 50% da sua capacidade.
A expectativa era que, após uma temporada inteira de abstinência, a torcida comparecesse em massa, ávida por finalmente poder presenciar de corpo e alma os jogos do seu time. Reinava uma euforia incontida nos clubes antes do primeiro pontapé inicial, porque, depois de uma longa espera, finalmente haveria torcedores ocupando as arquibancadas.
Entretanto, o que se viu não foi bem isso. Logo na primeira rodada, quatro estádios não registraram 100% da lotação permitida. Em Wolfsburg, por exemplo, foram vendidos apenas 8.536 ingressos dos 12.755 disponíveis. O Stuttgart colocou à venda 23.500 ingressos, mas só conseguiu vender 18.109, ou seja, apenas 77%. O mesmo quadro se repetiu em Mainz, com somente 78% dos tickets comercializados.
De 27 jogos, só 15 com lotação esgotada
Para uma Liga acostumada a ter seu contingente de ingressos esgotado rapidamente e na qual torcedores, frustrados por não terem conseguido uma entrada, muitas vezes ficavam à frente dos portões do estádio à cata de um ticket, dispostos a pagar qualquer preço, foi um choque.
Na segunda rodada não foi muito diferente. Para o jogo Hertha Berlin x Wolfsburg foram permitidos 25 mil espectadores. Compareceram 18.240 (73%). No caso Hoffenheim x Union Berlin, foi pior ainda. Dos 15.075 ingressos colocados à venda, apenas 8 mil foram comprados pelos torcedores (53%).
Já na terceira rodada o quadro melhorou, mas mesmo assim em pelo menos duas arenas (Mainz e Augsburg) sobraram ingressos. Somando-se as três rodadas, de um total de 27 jogos, apenas 15 se realizaram com lotação esgotada, vale dizer, com todos os ingressos disponíveis vendidos.
Resistência das torcidas ultra
É possível elencar alguns motivos para esse fenômeno, mas o que mais chama a atenção é o posicionamento dos grupos de torcidas organizadas conhecidos como torcidas ultra, que são visceralmente contra as limitações impostas pela Liga para que se possa ter acesso aos estádios.
A torcida do Eintracht Frankfurt, por exemplo, diz em comunicado oficial reproduzido pelo próprio clube: "A ausência de lugares em pé nos estádios, a obrigação do ingresso personalizado com dados pessoais e a manutenção do distanciamento social são limitações incompatíveis com a forma de assistir a um jogo de futebol e não correspondem ao nosso entendimento do que seja um evento com a massa torcedora. Assim que for possível, todas essas medidas limitantes e intervencionistas precisam ser suprimidas."
A torcida ultra do Bayern também se manifestou: "Somos de opinião que nossa presença nos estádios só será possível com a normalização das circunstâncias. Para nós, futebol é um evento social. Queremos ficar em pé, ombro a ombro e defender nossas cores com cânticos entoados juntos."
O tradicional dérbi entre St. Pauli e Hamburgo não contou com a torcida ultra do Hamburgo, que se recusou a entrar no estádio por causa das severas limitações sanitárias impostas pelas autoridades. Os ultras do Hertha Berlin estão boicotando os jogos no Estádio Olímpico. O setor da tradicional curva leste ficou vazio e vazio continuará nos próximos jogos.
Medo da covid-19
Acrescente-se a esse posicionamento radical das torcidas organizadas a atual tendência crescente de novos casos de infecção por covid-19. O Ministério da Saúde adverte a população sobre uma nova "onda difusa de infecções" causada pela variante delta.
É por conta dos números alarmantes dessa nova onda que muitos torcedores evitam ir ao estádio, como Cehlina Hahnelt, torcedora do Colônia: "Tenho muito medo. Amigos meus contraíram a covid-19, apesar de terem sido vacinados duas vezes", testemunhou durante um programa de TV. O medo de se infectar é considerável, e não só durante o jogo propriamente dito.
Faz-se necessário considerar também que muitos torcedores vão ao estádio em grupos, geralmente utilizam o transporte público e não usam máscara. Só seguem as estritas normas sanitárias e higiênicas estabelecidas quando chegam perto do estádio para poder passar pelos controles. Uma vez dentro do estádio, deixam as normas de lado e partem para o abraço.
Esse tipo de comportamento afasta muitos fãs do futebol, que estão deixando de sair de casa para ir ao estádio. Preferem ver o jogo pela TV e tomar sua cervejinha tranquilamente sem correr riscos desnecessários.
Enquanto persistir o boicote dos ultras, aliado ao medo de novas infecções, tão cedo não haverá estádios lotados na Alemanha.
____________________
Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit é publicada às terças-feiras.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.