Alemanha debate exibição de filmes nazistas
18 de março de 2012Qual deve ser a conduta, hoje, em relação a materiais de propaganda nazista? Deve-se trancar em algum lugar e proibir livros e textos, símbolos e filmes produzidos no período? Ou deve-se disponibilizá-los, a fim de que se possa perceber como os nazistas disseminavam naquela época suas mensagens entre a população? E em caso positivo, quem deveria ter acesso a esse material? Só pesquisadores? Ou qualquer pessoa? Não há perigo de que estes escritos acabem em mãos de nostálgicos do nazismo ou de jovens ligados à extrema direita?
Mais debate
Não há e nem poderá haver nenhuma resposta satisfatória a estas questões complexas. O debate em torno do Minha Luta, de Hitler, voltou à tona. No próximo ano, vence o prazo de proteção de direitos autorais sobre o texto. Mais complicada ainda é a situação dos filmes nazistas, em torno dos quais deverá se iniciar em breve uma discussão no país.
O cinema Zeughaus, no Museu Histórico de Berlim, exibe dentro de sua programação atual alguns filmes nazistas. No Museu do Cinema de Munique, também será exibida em breve uma série de filmes do período. Além disso, acontece em Munique um simpósio sobre o assunto, que começa nesta sexta-feira (16/03) e vai até domingo.
Trata-se, sobretudo, de aproximadamente 40 "filmes restritos". Esta denominação um tanto quanto prolixa diz respeito a obras que só podem ser exibidas com determinadas restrições, ou seja, apenas no contexto de discussões científicas, mantendo-se proibidas para o acesso comum. Entre elas estão o conhecido filme antissemita Jud Süss e documentações de mesmo teor como Der ewige Jude.
O expectador comum do cinema de hoje nem conhece estes filmes. Todos eles têm em comum a apologia à guerra, uma postura avessa à Polônia e à Inglaterra, além de serem filmes que incitam o ódio e disseminam conteúdos de propaganda antissemita.
Acervo perigoso
Com o fim da Segunda Guerra, mais de 1.200 filmes, produzidos na Alemanha entre 1933 e 1945, foram a princípio confiscados pelos aliados e divididos em três categorias. A maioria foi liberada a seguir sem quaisquer restrições. Outros foram liberados apenas com cortes e alguns poucos classificados como "filmes restritos".
Este contingente foi sendo modificado no decorrer das últimas décadas, em adaptação ao tempo presente. Por fim, sobraram aproximadamente 40 "filmes restritos". A Fundação Wilhelm Murnau, sediada em Wiesbaden, bem como o Arquivo Federal, em Koblenz, administram este acervo – a fundação é responsável pelos filmes de ficção e o arquivo, pelo material documental.
Recentemente, surgiram acusações de que os filmes restritos estariam sendo injustamente mantidos fora de circulação pelas duas instituições. Um jornalista do diário Die Welt, por exemplo, afirmou que o procedimento seria de "censura pela porta dos fundos, passando em cima do direito autoral".
Uma acusação que Ernst Szebedits, diretor da Fundação Wilhelm Murnau, não deixa passar: "A fundação tem a incumbência de zelar por estes filmes e não torná-los acessíveis ao público", diz ele. Segundo Szebedits, trata-se de uma incumbência pública, recebida do governo federal. "Direito autoral não é uma medida de censura", completa.
Conduta aberta
Szebedits, que dirige a Fundação Murnau há apenas poucos meses, tem, todavia, uma postura aberta frente à futura conduta no que diz respeito aos filmes restritos. Para ele, a fundação manteve uma posição muito defensiva nos últimos anos com relação ao tema. Para os políticos, diz ele, os filmes nazistas sempre foram uma batata quente, da qual eles preferiram se manter distantes.
Szebedits defende uma nova base na conduta frente aos polêmicos filmes e sugere a criação de um grêmio de especialistas que possa debater o assunto e criar novas diretrizes. Pois, afinal, o efeito dos filmes nazistas sobre o expectador mudou muito no decorrer das últimas décadas. Segundo Szebedits, muitos dos filmes banidos pelos aliados e pelas gerações posteriores como propaganda nazista perigosa não trariam hoje, devido a seu caráter grosseiro, nenhum perigo.
Alguns dos filmes da lista de restritos poderiam, na opinião do diretor da Fundação Murnau, ser liberados. Por outro lado, há obras liberadas, que não pertencem à lista dos filmes restritos, mas que do ponto de vista psicológico ou temático são muito mais perigosas por serem mais sutis.
Diálogo com o expectador
Jörg Friess, do Museu Histórico Alemão, também defende uma nova conduta frente aos filmes nazistas. O cinema Zeughaus exibirá em breve "filmes restritos", como Ein schöner Tag (Um belo dia) ou Mein Sohn, der Herr Minister (Meu Filho, Senhor Ministro) – não são comparáveis a filmes de propaganda explícita como Jud Süss, por exemplo. "Nós nos encontramos em meio a um processo de abertura", diz Friess. Deveria-se, segundo ele, voltar a assistir a estes filmes, para, em diálogo com o espectador, formar uma opinião a respeito.
"O conjunto de filmes restritos não é genuinamente independente da história, mas algo sempre em movimento, o isso irá continuar para sempre", teoriza Friess. Para o especialista, deveria ser conduzida uma discussão a respeito do conteúdo político e do poder destes filmes sobre o expectador. E principalmente no que diz respeito ao gênero da comédia, que permite interpretações muito distintas: "O contexto de recepção é hoje totalmente diferente daquele dos anos 1930 ou 1940", acentua Friess.
Reações diversas
Ele observa dois tipos diferentes de posições e reações entre os expectadores no Cinema Zeughaus. Muitos entre os mais velhos apontam a força desses filmes e defendem a manutenção das regras restritivas para os mesmos. Já os expectadores mais jovens, segundo Friess, têm uma relação completamente diferente com essas obras, ao afirmarem que "nossa democracia é forte o suficiente para que haja uma conduta aberta frente a esses filmes".
As novas gerações relutam, na maioria das vezes, a introduções que antecipam determinadas leituras dos filmes. O "gesto didático, da introdução, da pedagogia da mídia e do cinema" não é bem visto, relata Friess. Uma reação que Ernst Szebedits da Fundação Murnau também observa e compreende. Com devidas exceções, ressalta o especialista, obras de incitação ao ódio e de conteúdo antissemita como Jud Süss ou Der ewige Jude devem ser mantidas na categoria de "restritos", segundo ele.
Autor: Jochen Kürten (sv)
Revisão: Mariana Santos