Idioma preterido
23 de julho de 2010O alemão é a língua materna do maior número de habitantes da União Europeia (UE) e a Alemanha é, de longe, o país de maior peso econômico dentro do bloco. Diante disso, não surpreende que o alemão seja, ao lado do inglês e do francês, o terceiro entre os chamados "idiomas de trabalho" da UE.
No entanto, na prática, a língua alemã acaba representando um papel apenas secundário. Principalmente após a ampliação do bloco com o ingresso de países do Leste Europeu, o inglês passou a vigorar no dia-a-dia, suplantando gradualmente até mesmo o francês nas instâncias da UE.
Em meio à discussão sobre os idiomas a serem falados no futuro ministério europeu das Relações Exteriores, o parlamentar austríaco Andreas Mölzer reivindicou, no primeiro semestre deste ano, mais espaço para a língua alemã.
"Está na hora de lidar com o tema de forma mais sensível, fazendo com que o alemão encontre uma utilidade na política externa europeia sob o comando da nova ministra", salientou Mölzer, referindo-se a Catherine Ashton, encarregada de política externa do bloco.
Velhos conhecimentos do tempo de escola
Ashton reagiu prontamente. E em alemão. "Eu também aprendi alemão na escola, durante dois anos, mas já esqueci", respondeu aflita a ministra britânica, colhendo fortes aplausos por sua tentativa de falar o idioma de Goethe.
Aos poucos, seus conhecimentos estão melhorando. Segundo consta, Ashton pretende inclusive, dentro em breve, exercitar a língua a ponto de poder conversar com os colegas da UE cuja língua materna seja o alemão.
Guido Westerwelle, ministro alemão do Exterior, também reivindicou que a língua de seu país passe a ser usada na política externa da UE da mesma forma que o inglês e o francês, o que já foi assegurado por Ashton.
Por educação, mas talvez também como estratégia política, até mesmo o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, arriscou recentemente uma frase em alemão: "Estou muito feliz de que a primeira viagem ao exterior do novo presidente Christian Wulff seja para visitar instituições da UE", afirmou o português, que é fluente em francês, inglês e espanhol.
Rejeição sem motivos
Os funcionários da Comissão Europeia são, via de regra, poliglotas, algo inevitável em uma instituição de 27 países e com quase o mesmo número de idiomas.
No entanto, mesmo Johannes Laitenberger, ex-porta-voz da Comissão Europeia e hoje primeiro assessor de Barroso, confessou não ter se tornado completamente independente de suas raízes. "Não sou aqui um representante da Alemanha, mas é claro que continuo sendo alemão, mesmo quando trabalho na Comissão Europeia", disse ele.
Isso, contudo, não impede Laitenberger de evitar sistematicamente falar alemão nas entrevistas coletivas para a imprensa, mesmo que sua língua materna seja uma entre as línguas oficiais de trabalho da UE.
A situação chegou ao ponto de um jornalista da Alemanha perguntar algo em alemão a seu conterrâneo Laitenberger e este respondeu em inglês – sob a justificativa de que a resposta deveria ser compreendida pelo maior número possível de pessoas. Para situações como essa, no entanto, é que existe um serviço de intérpretes. O incidente mostra, porém, o quanto o alemão é relegado dentro da UE.
"Anarquia no rumo certo"
No caso de alguns políticos que não dominam o inglês, há situações que beiram o ridículo. Uma delas foi a tentativa do comissário de Energia da UE, o alemão Günther Oettinger, de falar inglês em sua primeira coletiva de imprensa, no início de 2010.
Ao tentar manifestar sua alegria em assumir a pasta da Energia e que esta representaria boas chances de conduzir o assunto na direção certa, Oettinger confundiu a pronúncia do termo energy (energia) com a de anarchy (anarquia), o que fez com que ele acabasse afirmando que "a anarquia caminha no rumo certo".
Principalmente tratando-se de um político da conservadora União Democrata Cristã, anarquia não é exatamente o que se espera de Oettinger. O que ele talvez devesse, de fato, é ter ouvido melhor os conselhos do governo de seu país e optado por falar alemão mesmo. O serviço de intérprete cuidaria do resto.
Autor: Christoph Hasselbach
Revisão: Roselaine Wandscheer