Após fim da ditadura Assad, qual será o futuro da Síria?
8 de dezembro de 2024Deposto do poder, Bashar al-Assad se tornou vítima do mesmo destino que ele impôs a milhões de sobreviventes da guerra civil na Síria, deflagrada em 2011: tornou-se ele também um refugiado. Está em Moscou, onde foi acolhido por "razões humanitárias", segundo uma fonte do Kremlin citada pelas agências estatais de notícia Tass e Ria Novosti.
O Observatório Sírio de Direitos Humanos, uma ONG baseada no Reino Unido, afirma que Assad deixou Damasco por volta das 22h (horário local) do sábado (07/12) em um jato particular. Fontes do Exército sírio confirmam que o mandatário deixou o país a bordo de um avião. O governante em exercício, Mohammed al-Jalali, diz não ter mais contato com ele.
Imagens que circulam nas redes sociais sinalizam que Assad de fato se foi. Elas mostram civis caminhando por seu palácio aos gritos de júbilo.
A pergunta que resta, agora, é o que será da Síria.
"Aos exilados de todo o mundo: a Síria livre vos aguarda", anunciou na manhã deste domingo a aliança islamista Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham, ou HTS).
Registros na internet mostram a libertação de detentos em várias prisões do regime, entre elas a famosa penitenciária de Sednaya, ao norte de Damasco, onde milhares de opositores de Assad foram torturados e assassinados.
Islamistas moderados?
Mas o quão livre será a Síria de fato? As atenções se voltam nesse momento sobretudo para o líder do HTS, Abu Mohammed al-Jolani, que detém boa parte do controle do país. Há diferentes opiniões sobre qual é a visão de futuro dele para a Síria.
Especialista em Síria no Instituto Alemão para Estudos Globais e de Área (Giga, na sigla em alemão), André Bank pondera que o HTS se transformou ao longo do tempo, e que o próprio Jolani há anos se distanciou da Al Qaeda. É, além disso, considerado um rival do temido Estado Islâmico – um sinal de que Jolani não estaria mais numa cruzada contra o Ocidente e passou a se concentrar na Síria. Mas é possível, acrescenta Bank, que agora ele esteja trabalhando para estabelecer no país uma ordem salafista (movimento ultraconservador dentro do islamismo sunita).
O próprio Jolani no momento tem dado sinais de moderação. Ao investir contra Aleppo, instruiu seus comandados a pouparem cristãos e outras minorias étnicas e religiosas. Em entrevista à emissora americana CNN, disse ainda querer construir instituições de governo que contemplem todos os setores da sociedade.
Que até agora não tenha havido violência contra minorias é um "sinal esperançoso", avalia o analista James Dorsey, do Instituto para o Oriente Médio, entidade baseada em Washington.
Menos esperançoso soou o diplomata alemão Andreas Reinicke, ex-embaixador em Damasco, em entrevista à agência de notícias alemã KNA. Para ele, o HTS segue enraizado na ideologia da Al Qaeda, e por isso o futuro de minorias cristãs e curdas está em risco.
O papel do Exército Nacional Sírio
Outros grupos além do HTS têm influência na Síria. É o caso do Exército Nacional da Síria (ENS), que nasceu do Exército Livre da Síria, uma coalizão de milícias anti-Assad formada no início da guerra civil, em 2011, e que hoje luta ao lado das tropas de Jolani e é apoiado pela Turquia.
O ENS foi acusado diversas vezes de crimes contra a humanidade, entre eles a tortura recorrente de curdos. Ao mesmo tempo, o grupo também teria mecanismos internos para impedir crimes desse tipo, segundo Omer Ozkizilcik, do think tank Atlantic Council, em entrevista ao Middle East Eye.
Tudo dependerá agora de quais correntes do ENS conseguirão se impor internamente, e de como será sua relação com o HTS, a quem enxerga como concorrência.
Também as milícias anti-Assad no sul da Síria serão relevantes. Em comum com o HTS elas têm apenas a oposição ao ditador, pois seu posicionamento majoritariamente secular as distancia ideologicamente dos islamistas.
No norte da Síria, os curdos tentarão prevalecer sobre o ENS, que tem o apoio da Turquia. É outro conflito que tem bastante potencial para a violência.
Rússia, Irã, Turquia: o papel de atores estrangeiros
Também decisivo para o futuro da Síria será o comportamento de atores internacionais. A Turquia deve se tornar bastante influente, uma potencial "fazedora de reis", nas palavras de Dorsey, que poderá trabalhar por um governo islamista – não sem antes enfrentar eventuais desafios com os curdos e com o HTS.
Já o Irã é o grande perdedor da queda do regime sírio. O país esteve por anos ao lado de Assad, ajudando-o a aniquilar insurgentes e contribuindo decisivamente para a manutenção do ditador no poder.
Isso permitiu ao Irã se estabelecer militarmente na Síria – para o regime em Teerã, a oportunidade ideal de ficar mais próximo de seu arqui-inimigo Israel e, ao mesmo tempo, abastecer o Hezbollah libanês com armas. Tanto o Irã quando o Hezbollah se retiraram da Síria agora.
A queda do regime de Assad também deve afetar a credibilidade iraniana no contexto do chamado Eixo da Resistência, avalia o analista Marcus Schneider, da Fundação Friedrich Ebert, ligada ao partido social-democrata alemão SPD.
"Por isso uma derrota na Síria, para Teerã, seria comparável com a derrota no Afeganistão para os soviéticos. Poderia até provocar o fim do próprio regime islamista em Teerã", disse em entrevista concedida à DW poucos dias antes da queda de Assad.
Outro perdedor da revolta na Síria é a Rússia, que esteve ao lado de Assad desde 2015, ajudando-o em sua repressão. Em troca, o Kremlin conseguiu uma base marinha em Tartus e uma base aérea em Latakia, na costa do Mediterrâneo, que deve defender com unhas e dentes – o que também tem potencial para gerar mais conflitos.