Ação da PF mira Sérgio Reis e deputado bolsonarista
20 de agosto de 2021A Polícia Federal cumpriu nesta sexta-feira (20/08) mandados de busca e apreensão em endereços do cantor Sérgio Reis, do deputado federal bolsonarista Otoni de Paula (PSC-RJ) e de outras oito pessoas investigadas por incitar atos contra a democracia e o Estado de direito.
A ação faz parte de um inquérito aberto nesta quarta no Supremo Tribunal Federal (STF) a pedido da subprocuradora-geral da República Lindora Araújo. A investigação se soma a outros dois inquéritos no Supremo sobre tema semelhante: o inquérito sobre fake news e atos democráticos, arquivado em julho e substituído pelo inquérito sobre as milícias digitais, que resultou na prisão do ex-deputado Roberto Jefferson.
Araújo havia solicitado que seu pedido fosse distribuído aleatoriamente pelo sistema do Supremo a algum ministro, mas a presidência da Corte encaminhou o tema a Moraes, por prevenção, já que ele foi relator do inquérito sobre atos antidemocráticos e é o relator do sobre milícias digitais.
Foi Moraes quem autorizou as ações desta sexta, que incluem busca e apreensão em 29 endereços no Distrito Federal e nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Mato Grosso, Ceará e Paraná.
Uma diferença entre o inquérito atual e os outros dois que já estavam sob a relatoria de Moraes é que o aberto nesta quarta foi solicitado pelo Ministério Público, enquanto os demais foram instaurados de ofício pelo Supremo, o que vinha sendo alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro e de uma ação da Advocacia-Geral da União protocolada nesta quinta.
"Atentar contra Estado de direito"
Em sua decisão, Moraes afirmou que os alvos dos mandados de busca e apreensão pretendiam abusar "dos direitos de reunião, greve e liberdade de expressão, para atentar contra a democracia, o Estado de direito e suas instituições", "inclusive atuando com ameaça de agressões físicas".
"Condutas criminosas decorrentes do abuso e desvio no exercício de direitos constitucionalmente previstos não podem ser impunemente praticadas para atentar, coagir, desrespeitar ou solapar a democracia, o Estado de direito e suas instituições", escreveu o ministro.
A Polícia Federal afirmou, em nota, que as ações têm o objetivo de apurar se houve "o eventual cometimento do crime de incitar a população, através das redes sociais, a praticar atos violentos e ameaçadores contra a democracia, o estado de direito e suas instituições, bem como contra os membros dos poderes".
Além de Reis e Paula, foram alvos de busca e apreensão o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, responsável pelo canal de Youtube "Zé Trovão a voz das estradas", Antônio Galvan, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) que teria participado de uma reunião com Reis, e outros seis bolsonaristas.
Moraes também determinou que os investigados sejam impedidos de circular em um raio de um quilômetro de distância da Praça dos Três Poderes e dos ministros do Supremo – restrição que não se aplica ao deputado Otoni de Paula –, além do bloqueio dos seus perfis em redes sociais e da chave Pix por meio da qual estavam sendo recebidas doações para manifestações.
Atos no dia 7 de setembro
O inquérito aberto nesta quarta está relacionado à organização de atos, por bolsonaristas, a favor do presidente e contra o Supremo que devem ser realizados no feriado do dia 7 de setembro.
Em seu despacho, Moraes afirmou que os investigados estavam organizando manifestações "criminosas e antidemocráticas" e usando as redes sociais para "instigar os seus seguidores, e tentar coagir a população brasileira em geral a atentar contra o Estado democrático de direito brasileiro e suas instituições republicanas, inclusive com incentivo a atos expressos de ameaça e violência física".
Um dos indícios que basearam a decisão de Moraes foi uma fala de Reis, gravada e enviada a um amigo e amplamente divulgada via WhatsApp no último final de semana, no qual ele afirma que entregará uma "intimação" ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para que ele derrube os ministros do Supremo. Se isso não ocorresse em 30 dias, o cantor afirmou que os manifestantes iriam invadir a Corte e retirar os ministros de lá à força.
Moraes mencionou na decisão um trecho do áudio de Reis, no qual o cantor afirma: "Enquanto o Senado não tomar essa posição, nós vamos ficar em Brasília e não saímos de lá até isso acontecer. Uma semana, dez dias, um mês e os caras bancando tudo, hotel e tudo, não gasta um tostão. Se em 30 dias não tirarem os caras [os ministros do Supremo] nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra. Pronto. É assim que vai ser. E a coisa tá séria".
No áudio, Reis também disse que havia se reunido com Bolsonaro, com o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e generais do Exército, Marinha e Aeronáutica, para relatar o plano, que segundo ele teria o apoio de caminhoneiros e exportadores de soja.
Na última sexta, Bolsonaro afirmou que enviaria ao Senado pedido de abertura de processo de impeachment contra Moraes e o ministro Luís Roberto Barroso, que também é o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral. O pedido ainda não foi encaminhado ao Senado, mas Pacheco já indicou que não dará prosseguimento caso ele seja protocolado.
Deputado afirma que Brasil vive "estado de exceção"
Após ser alvo da busca e apreensão, Otoni de Paula afirmou, em vídeo compartilhado no Facebook, que o Brasil estaria vivendo um "estado de exceção" e que Moraes teria um comportamento "ditatorial", e garantiu que ele não recuará "nem um milímetro" em relação aos seus posicionamentos.
O deputado já havia sido denunciado pela Procuradoria-Geral da República em julho de 2020 pelos crimes de difamação, injúria e coação após chamar Moraes de "lixo", "canalha" e "esgoto do STF".
No mês seguinte, a Justiça de São Paulo também determinou que Facebook, Google e Twitter retirassem do ar ataques feitos por ele contra Moraes, e o condenou a indenizar o ministro em R$ 70 mil por danos morais. Ele recorreu da decisão.
Na quarta, ele havia protocolado uma ação contra o corregedor do TSE, Luis Felipe Salomão, que determinou o bloqueio de repasses a canais bolsonaristas que disseminavam informações falsas sobre as eleições, e pediu a retomada da monetização dos sites.
Sérgio Reis recua, e Aprosoja diz defender democracia
Reis disse ao jornal O Globo ter se arrependido de ter gravado a mensagem que circulou no final de semana, mas manteve a defesa de uma passeata "serena" contra o Supremo.
"Eu me arrependo, sim. Eu estava conversando com um amigo. Era tudo brincadeira. Ele postou no grupinho dele e aquilo foi para fora. E isso me prejudicou muito. Não era a minha intenção. Não temos que quebrar nada. Tem que fazer uma passeata serena, sem briga", afirmou o cantor, que já foi deputado federal de 2015 a 2019 pelo PRB, hoje Republicanos.
A Aprosoja, presidida por Antônio Galvan, alvo da ação desta sexta, afirmou em nota que "sempre defendeu de forma peremptória o Estado democrático de direito e o equilíbrio entre os poderes da República e continuará a ter a mesma postura republicana". A associação afirma também que "não financia e tampouco incentiva a invasão do Supremo Tribunal Federal ou quaisquer atos de violência contra autoridades, pessoas, órgãos públicos ou privados em qualquer cidade do país".
bl/ek (ots)