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Bibliothek: O Natal nas literaturas brasileira e alemã

Ricardo Domeneck
19 de dezembro de 2017

Assim como o Brasil tem o conto "O peru de Natal", de Mário de Andrade, e o "Poema de Natal", de Vinicius de Moraes, a Alemanha também tem seus textos natalinos. Um dos mais famosos é de Heinrich Heine.

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Symbolbild Weihnachten
Foto: picture-alliance/dpa/S. Stache

A primeira neve já caiu em Berlim. Lembro-me de um par de anos em que ela caiu, quase cronometrada, no primeiro dia do ano novo. Mas os últimos invernos foram coisas cinzas e frias, porém sem neve. Ver a neve hoje em dia, em tempos de aquecimento global, é quase um alívio. Para esta última coluna antes do Natal, me peguei a pensar em textos da literatura brasileira e da alemã que têm a data como contexto.

Quando penso na literatura brasileira "natalina", dois textos me vêm imediatamente à cabeça: em prosa, o conto O peru de Natal, de Mário de Andrade, e em poesia, o Poema de Natal, de Vinicius de Moraes. Há certamente outros, mas estes me vêm à mente sem pestanejar.

O Natal é um feriado tão importante na Alemanha quanto no Brasil, ainda que haja diferenças, entre a tradição protestante no norte da Alemanha e a católica no Brasil. Mas idiossincrasias alemãs e brasileiras à parte, como o Natal já foi retratado na literatura alemã? Tratando-se de um momento de reunião da família, não seria prato cheio para relatos de conflitos?

Perguntei a amigos alemães também obcecados por literatura. Falei sobre o conto de Mário de Andrade e o poema de Vinicius de Moraes. Haveria equivalentes entre os alemães? Várias sugestões vieram. Entre os poemas, Knecht Ruprecht, de Theodor Storm, Dezember, de Erich Kästner, e os mais mencionados: Advent, de Rainer Maria Rilke e Die Heiligen Drei Könige aus Morgenland, de Heinrich Heine.

Se puder contar com a votação de meus amigos por parâmetro, estes dois últimos parecem ser os mais conhecidos. Pedi a André Vallias, o premiado tradutor de Heinrich Heine no Brasil, se ele nos enviaria uma tradução, que segue ao fim desse texto.

E na prosa? Haveria um conto que pudesse de alguma forma ser um equivalente ao de Mário de Andrade? Vários amigos então mencionaram um texto de Heinrich Böll, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1972, intitulado Nicht nur zur Weihnachtszeit (Não apenas na época do Natal). Texto que está entre os primeiros que publicou, ele o leu durante sua participação no encontro do Grupo 47 em 1952. O conto mais tarde daria título à sua reunião de contos satíricos.

A história também se passa no âmbito familiar do narrador. Mas, enquanto o narrador de Mário de Andrade luta contra a memória do pai recentemente morto ("o puro-sangue dos desmancha-prazeres”), o texto de Böll relata a descida de uma família alemã à dissolução após o Natal de 1947, quando Tia Milla simplesmente recusa-se a deixar de comemorar o Natal... todos os dias. Ora, por que apenas uma vez por ano? Esta decisão louca de Tia Milla, de celebrar o Natal todos os dias, começa a fazer aflorar as loucuras próprias dos outros membros da família.

Deixo os resultados com a leitura de vocês, e encerro com os três reis magos de Heine, em tradução de Vallias:

Os três Reis Santos do Oriente - Heinrich Heine

Os três Reis Santos do Oriente

Perguntam em cada povoado:

"Qual o caminho pra Belém,

Crianças, digam, pra que lado?”

Velhos e jovens não sabiam,

Os reis seguiam adiante

No rastro de uma estrela guia

De ouro, brilhando radiante.

Por sobre a casa de José

Ela parou, entraram os três;

Chorou o bebê, o boi mugiu,

Também cantaram os Santos Reis.

(tradução inédita de André Vallias)

*

Die Heil'gen Drei Könige aus Morgenland

Die Heil'gen Drei Könige aus Morgenland,

Sie frugen in jedem Städtchen:

"Wo geht der Weg nach Bethlehem,

Ihr lieben Buben und Mädchen?"

Die Jungen und Alten, sie wussten es nicht,

Die Könige zogen weiter;

Sie folgten einem goldenen Stern,

Der leuchtete lieblich und heiter.

Der Stern blieb stehn über Josephs Haus,

Da sind sie hineingegangen;

Das Öchslein brüllte, das Kindlein schrie,

Die Heil'gen Drei Könige sangen.

(1827)

Na coluna  Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.

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