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Bilhete único de 9 euros: um balanço do experimento alemão

Kristie Pladson
31 de agosto de 2022

Para ajudar a população a driblar inflação, a Alemanha ofereceu neste verão europeu uma alternativa de transporte de baixo custo. Com o fim da tarifa nesta quarta, muitos se perguntam se a ideia foi, de fato, um sucesso.

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Mulher segura bilhete de 9 euros em frente a trem amarelo do metrô
Bilhete nacional de valor único ficou em vigor em junho, julho e agostoFoto: Wolfgang Kumm/dpa/picture alliance

Esta quarta-feira (31/08) marca o fim de uma experiência alemã de três meses com tarifas de transporte simplificadas e muito baratas. De junho a agosto, as mais de 60 tarifas e redes de transporte da Alemanha foram unificadas temporariamente, possibilitando à população viajar à vontade em ônibus, metrôs e trens regionais pelo país com um único bilhete, pagando a bagatela de 9 euros por mês. De fora desse esquema ficaram apenas os trens de longa distância e alta velocidade.

Descrita pela revista Der Spiegel como "o maior experimento já realizado pela Alemanha em seu sistema de transporte público de curtas distâncias", a medida foi anunciada pelo governo federal como parte de um pacote emergencial para aliviar o bolso da população em meio a uma inflação recorde, em parte decorrente da guerra russa contra a Ucrânia. Outro objetivo da iniciativa era atrair mais usuários para o transporte público.

Decisões rápidas são coisa rara na política alemã. Grandes iniciativas geralmente são resultado de longas e extensas negociações com especialistas e sociedade civil. O bilhete de 9 euros foi uma exceção – pegou de surpresa até mesmo as empresas de transporte.

Missão cumprida?

Com o encerramento do experimento, muitos estão refletindo sobre se o bilhete foi, de fato, um sucesso.

"Depende do objetivo do projeto", pontua Jonathan Laser, da civity Management Consultants, empresa de consultoria em gestão especializada no setor público e baseada em Berlim.

"Se a intenção era aliviar o bolso dos cidadãos, eu diria que sim; se o objetivo era fazer marketing [do transporte público], também. Mas se o objetivo era sustentabilidade [do ponto de vista financeiro], eu diria que não."

Em protesto em Mainz no final de agosto, jovens defendem bilhete de 9 euros como alternativa ecológica de mobilidade urbana
Em protesto em Mainz no final de agosto, jovens defendem bilhete de 9 euros como alternativa ecológica de mobilidade urbanaFoto: Hannes P. Albert/dpa/picture alliance

Novos usuários atraídos pelo preço

Mais de 52 milhões de pessoas abraçaram o bilhete de 9 euros – o equivalente a mais de 60% da população do país. Outros 10 milhões de usuários do transporte público que já possuíam algum tipo de bilhete único se beneficiaram de um reembolso equivalente – esses cartões costumam custar algo em torno de 80 euros por mês em grandes cidades alemãs, segundo a ADAC, maior associação de motoristas da Alemanha. Ao longo dos três meses do verão, a economia individual de quem tinha esses cartões superou os 200 euros.

A medida também atraiu muitos passageiros novos. De acordo com uma pesquisa da Associação de Empresas de Transporte da Alemanha (VDV), 15% dos usuários do bilhete promocional disseram que, sem o desconto, eles não teriam viajado.

Para Ulrich Schneider, chefe da Paritätischer Gesamtverband, uma associação trabalhista e de assistência social, o luxo da viagem é comumente negado a "milhões de pessoas que vivem de aposentadorias, benefícios sociais do governo ou têm baixos salários”. Em artigo de opinião sobre o tema, ele alerta que esse direito "será negado novamente” com o fim do bilhete de 9 euros.

Alta demanda expôs falhas do sistema

De fato, a inflação chegou a registrar queda leve durante o experimento – efeito que o governo atribui, em parte, ao baixo valor da passagem –, mas talvez não tenha sido suficiente para consolar passageiros exaustos e com calor. Nas redes sociais, pipocaram relatos de trens lotados, ar-condicionados quebrados e atrasos que se alongavam por horas.

Por muitos anos, entusiastas do transporte público acusaram a Alemanha de não financiar adequadamente o serviço. Em um país famoso no exterior pela fabricação de Porches e Mercedes e pelas Autobahn, as vias expressas para carros, trens atrasados e lotados já eram realidade antes mesmo da introdução do bilhete de 9 euros.

O governo federal repassou aos 16 estados alemães um adicional de 2,5 bilhões de euros para compensar a queda de faturamento do setor no período. O valor não incluía o financiamento necessário à expansão de frotas e viagens, bem como para o aumento de pessoal e manutenção.

Com estados como a Saxônia-Anhalt relatando até três vezes mais passageiros do que o habitual em algumas linhas de trem durante o verão europeu, o problema do subfinanciamento crônico foi respondido com a promessa de alívio rápido e súbito no orçamento familiar.

"O bilhete de 9 euros evidenciou problemas do transporte regional", afirma Ralf Damde, chefe do conselho geral de trabalhadores da DB Regio, uma subsidiária regional da Deutsche Bahn, a operadora nacional de trens na Alemanha. "Não há pessoal o suficiente e, acima de tudo, há poucos veículos para absorver o número crescente de passageiros", declarou Damde à RedaktionsNetzwerk Deutschland (RND).

O que deve vir agora

Críticos do bilhete de 9 euros afirmam que o dinheiro seria melhor gasto no desenvolvimento da infraestrutura do transporte público.

"Precisamos de cada euro extra para expandir e melhorar o serviço, para que o transporte público possa se tornar uma alternativa de mobilidade adequada ao uso diário", disse à agência dpa o presidente da Associação dos Distritos Alemães, Reinhard Sager.

Apesar das condições incômodas de viagem, muitos defendem a continuidade da tarifa promocional, principalmente considerando o fracasso recente da Alemanha em cumprir as metas de redução de carbono.

Paralelo ao bilhete promocional, o governo alemão também fez um afago nos condutores de veículos particulares, que se beneficiaram de uma redução de preços do litro da gasolina (de 0,35 euro) e do diesel (0,17 euro).

"Obviamente, a solução não é tornar o transporte público menos atrativo", escreveu um usuário em uma discussão sobre o tema na rede social Reddit. "Mas sim consertar/construir a infraestrutura necessária."

Políticos estão debatendo a viabilidade e custos de um novo bilhete. O Partido Social-Democrata (SPD), do chanceler federal Olaf Scholz, apresentou a ideia de um bilhete único mensal de uso nacional ao custo de 49 euros. Os Verdes sugerem complementar a oferta com um bilhete regional de 29 euros. Já a Associação de Empresas de Transporte da Alemanha apoia um bilhete único com valor de 69 euros.

O nó, porém, está no financiamento. Os governos regionais demandam sobretudo uma melhoria geral do transporte público: mais infraestrutura, mais funcionários, mais veículos. Um bilhete único mais barato não resolve esses problemas.

Algumas cidades estudam alternativas locais. Berlim deve introduzir um bilhete regional com valor promocional, válido até dezembro. A Renânia do Norte-Vestfália irá oferecer aos usuários mais fiéis do seu transporte público gratuidade aos fins de semana para viagens pelo estado em grupos de até dois adultos e três crianças, até o final de outubro.

Para Laser, da civity, o preço é só uma parte da história. A iniciativa também demonstrou o valor de um sistema simplificado de tarifas. "Podemos discutir o preço, mas também deveríamos falar sobre como é complexo comprar um bilhete", diz. "Precisamos de todas essas tarifas diferentes ou dá para simplificá-las?"

No longo prazo, a expectativa é de alta de custos de aquecimento e combustível, o que deve pressionar os preços do transporte público e impactar outros bens e serviços.