Bolsonaro mentiu sobre venezuelanas em outras ocasiões
19 de outubro de 2022As declarações de Jair Bolsonaro na última sexta-feira (14/10) sobre ter "pintado um clima" entre ele e adolescentes venezuelanas entre 14 e 15 anos não foram as únicas referências impróprias e mentirosas que o presidente fez em relação às meninas.
Nesta terça-feira (18/10), viralizaram nas redes sociais mais dois vídeos em que o presidente fala sobre seu encontro com as adolescentes, durante uma visita a uma casa que abrigava refugiadas na região de Brasília, em abril de 2021.
A divulgação das novas falas ocorre no mesmo dia em que a campanha do presidente divulgou um vídeo em que Bolsonaro pede desculpas pelo episódio, mas ainda tentando se pintar como vítima.
O escândalo provocado pelas falas colocou a campanha de Bolsonaro na defensiva nos últimos dias, justamente num momento em que o presidente tenta reduzir sua desvantagem nas pesquisas eleitorais.
Em um dos vídeos revelados nesta terça-feira, Bolsonaro, de 67 anos, aparece dizendo que as meninas "eram bonitinhas" e afirmando diretamente que eles "se arrumando" para "fazer programa".
A afirmação sobre as meninas estarem em situação de prostituição já foi desmentida pela organização responsável por atender as jovens e por uma família venezuelana. Uma responsável afirmou ao UOL no fim de semana que elas estavam "arrumadas" no dia porque haviam sido atendidas por voluntárias que treinaram técnicas de estética e escova.
Em 2021, quando visitou o local, Bolsonaro fez uma live de 22 minutos, mas em nenhum momento mencionou prostituição no local.
No entanto, a partir de 2022, em pelo menos três ocasiões, o presidente passou a mencionar a história recheando seu relato com mentiras e fazendo comentários que geraram repulsa nas redes sociais e entre políticos da oposição.
Vídeo de maio
Um dos vídeos que viralizou nesta terça-feira em redes sociais mostra Bolsonaro falando sobre as meninas para uma plateia de um evento da Associação Paulista de Supermercados em 16 de maio, em São Paulo.
"Eu estive no meio do povo desde quando apareceu o covid. Sem máscara. (...) Se eu não fizesse isso, não saberia como o povo tá vivendo. Fui para dentro da periferia de Brasília de motocicleta. Entrei numa república de venezuelanas sábado à tarde, dá pra imaginar, pessoal. Sábado à tarde, eu vejo, paro a moto, olho para trás e tem umas meninas de 13, 14 anos, arrumadinhas. Me surpreendeu", disse Bolsonaro
"Eu voltei. Falei para o ajudante de ordem: ‘Abre uma live'. Tinha umas 20 venezuelanas se arrumando lá dentro. Meninas bonitas, de 14, 15 anos, se arrumando para quê? Se arrumando sábado à tarde para quê? É isso que nós queremos para nossas filhas e netas?", disse o presidente.
Vídeo de setembro
O outro vídeo que se espalhou nas redes nesta terça-feira mostra Bolsonaro concedendo uma entrevista em 12 de setembro para um grupo de podcasters chamado Collab. Nesta entrevista, Bolsonaro é mais direto sobre associar as meninas à prostituição.
"Eu estava na, eu acho que é Paraíso o nome do... São Sebastião, em Brasília. A moto lá, tinha mais um pessoal comigo da segurança. Aí eu parei na esquina, tirei o capacete, daí eu olhei para trás e tinha umas duas, três meninas bonitinhas, de uns 14, 15 anos de idade. Me chamou atenção. Meninas bonitinhas, sábado, né. Por que chamou atenção? Eram parecidas. Aí eu vi que apareceu mais uma, mais outra", disse o presidente.
"Eu desci da moto. 'Posso entrar?'. Entrei. Tinha umas 15 meninas dessa faixa etária, 14, 15, 16 anos. Todas muito bem arrumadas. Tinham tomado banho, estavam fazendo o cabelo. Venezuelanas. Estavam se arrumando para quê? Alguém tem ideia? Quer que eu fale? Não vou falar... Para fazer programa. Vocês acham que elas queriam fazer isso? Qual era a fonte de sobrevivência delas? Essa", completou Bolsonaro.
Vídeo de outubro sobre "pintou um clima"
As primeiras declarações perturbadoras de Bolsonaro sobre as venezuelanas viralizaram no último fim de semana, quando usuários passaram a divulgar um vídeo de uma entrevista que o presidente havia concedido na sexta-feira (14/10).
No vídeo da entrevista, Bolsonaro aparecia afirmando que "pintou um clima" entre ele e o grupo de meninas.
"Eu estava em Brasília, na comunidade de São Sebastião, se eu não me engano, em um sábado de moto [...] parei a moto em uma esquina, tirei o capacete, e olhei umas menininhas... Três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas, num sábado, em uma comunidade, e vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. 'Posso entrar na sua casa?' Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida", disse Bolsonaro.
As declarações provocaram repúdio imediato entre críticos do presidente. Nas redes, usuários começaram a associar Bolsonaro a pedofilia. O PT passou a usar as falas em materiais de campanha para atacar Bolsonaro.
A campanha do presidente entrou em modo defensivo. Bolsonaro, visivelmente abalado e com a voz rouca, fez uma "live de emergência" na madrugada de sábado para tentar conter os danos.
Ao longo do domingo, aliados de Bolsonaro também tentaram minimizar as declarações do presidente. O senador eleito Magno Malta e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, argumentaram que o presidente tem "mania" de falar "pintou um clima" para todo o tipo de situação, mas jornalistas e até mesmo aliados do presidente enfrentaram dificuldades para encontrar outros exemplos de falas similares do presidente.
O próprio presidente tentou seguir a mesma linha na chegada ao debate presidencial de domingo, afirmando que havia se referido "a clima para conversar". No entanto, ele se recusou a explicar por que insinuou que as menores seriam prostitutas.
Seu adversário, Lula, não explorou diretamente as acusações durante o debate, mas mandou um recado usando um broche de uma campanha de combate à violência sexual contra crianças.
Foi o próprio Bolsonaro que mencionou mais diretamente a controvérsia, tentando passar uma imagem de vítima e até mesmo invocando uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que proibiu a campanha do PT de explorar o vídeo que mostra Bolsonaro falando das adolescentes. Moraes costuma ser um alvo do Planalto, mas desta vez o presidente adotou um tom mais neutro em relação ao ministro ao receber uma decisão favorável.
Pedido superficial de desculpas e encontro com venezuelanas
Ainda nesta terça-feira, a campanha de Bolsonaro divulgou um vídeo em que Bolsonaro aparece pedindo desculpas, mas ainda assim afirmando que suas declarações foram tiradas de contexto e reclamando de ações de "militantes de esquerda”.
"Se as minhas palavras, que por má-fé foram tiradas de contexto de alguma forma, foram mal-entendidas ou provocaram algum constrangimento às nossas irmãs venezuelanas, peço desculpa, já que meu compromisso sempre foi o de melhor acolher e atender a todos que fogem de ditaduras pelo mundo", disse Bolsonaro.
"Estamos indignados com as últimas ações de alguns militantes de esquerda, que, sem nenhum pudor, estão pressionando mulheres venezuelanas a fim de obterem vantagem política neste momento", declarou.
No vídeo com o pedido de desculpas, Bolsonaro apareceu ao lado da primeira-dama, Michelle, e de María Teresa Belandria, que representa o político oposicionista venezuelano Juan Guaidó no Brasil. Belandria permaneceu em silêncio no vídeo.
Apesar do pedido de desculpas, a fala de Bolsonaro no vídeo divulgado pelo presidente ainda demonstra inconsistências. Em um trecho, Bolsonaro disse: "A dúvida e a preocupação levantadas foram quase que imediatamente esclarecidas à época pela nossa ministra da Mulher, Damares Alves, que foi ao local e constatou que as mulheres citadas na live eram trabalhadoras".
No entanto, se em 2021 a ex-ministra Damares já havia constatado que as meninas não estavam em situação de prostituição, Bolsonaro não explicou por que ele então passou a associá-las em 2022 à prática em pelo menos três ocasiões.
Ainda segundo a imprensa brasileira, Michelle e Damares visitaram na segunda-feira duas venezuelanas ligadas à família citada pelo presidente nas suas declarações sobre o caso. O encontro ocorreu no Lago Sul, área nobre de Brasília, e, segundo o jornal Folha de S.Paulo, foi organizado por integrantes da Presidência e representantes de Guaidó no Brasil.
Ainda de acordo com o jornal, num primeiro momento, houve resistência da família venezuelana, que se assustou com a repercussão do caso.
Já o jornal Estado de S. Paulo informou que a equipe do presidente desejava que algumas das meninas publicassem mensagens afirmando que tudo não havia passado de um mal-entendido. Elas, no entanto, recusaram o pedido.
jps (ots)