Boris x Dave: a luta pelo futuro do Reino Unido na UE
23 de fevereiro de 2016Bruxelas retornou ao "business as usual" nesta segunda-feira (22/02). A União Europeia (UE) não tem um "plano B" para o caso de uma saída do Reino Unido do bloco, disse o comissário europeu da Economia, Pierre Moscovici. O francês afirma não conseguir ver outro futuro, senão uma união que inclua os britânicos. Além disso, está claro que a UE não vai interferir na "campanha eleitoral" que se seguirá.
"Cabe ao governo e ao povo britânico dar os próximos passos", enfatizou o porta-voz de Moscovici, Margaritis Schinas. Logo após a conclusão das negociações entre o Reino Unido e a UE, na última sexta-feira, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, deixou claro: munido do acordo concedido por seus homólogos da UE, o primeiro-ministro David Cameron tem como se engajar pela permanência de seu país no bloco. Em outras: "Eu, Angela, fiz o que era possível, o resto é com você, Dave!"
E Cameron começou a exibir sua recém-conquistada afeição pela Europa já na manhã do domingo, no sofá de Andrew Marr, apresentador do mais importante magazine político da emissora BBC. Segundo uma pesquisa de opinião, a aprovação dos britânicos subiu 15% no fim de semana em seguida ao acordo com a UE.
De início, a situação corria bem para o premiê britânico, mesmo tendo logo ficado claro que um punhado de membros do gabinete não o acompanhavam em sua campanha de "Stay in", e que a decisão dilaceraria seu Partido Conservador. Esse era o estado das coisas, até que a "bomba loira" explodiu.
A "bomba loira"
Boris Johnson corta sozinho, com a tesoura de unhas diante do espelho, sua desgrenhada cabeleira loira. Mas também é possível que ele tenha um cabeleireiro encarregado de produzir, com arte, esse penteado "e o vento levou".
Seja como for, o atual prefeito de Londres cultiva uma imagem que é altamente artificial, mas que, espantosamente, passa por natural. Boris, como é chamado, em tom de camaradagem, pela imprensa e os cidadãos, pode injetar citações em latim em seus discursos, mas qualquer taxista londrino gostaria de se sentar com ele no pub para tomar uma cerveja.
Seus ternos são mal acabados e estão sempre amassados. Sua vida amorosa – sobretudo a extramarital, é descrita como libertina. Apesar de obviamente nem esbelto nem malhado, ele gosta de aparecer de casaco e capacete de ciclista. Quando, certa vez, chegou ostensivamente de bicicleta à prefeitura, enquanto seu carro oficial o seguia a uma distância de 20 metros, a nação riu. Para qualquer outro, uma atitude dessas teria sido a morte política.
O prefeito de Londres construiu sua imagem de forma que os ingleses se identifiquem com ele, o achem simpático, enquanto ele mantém uma distância difícil de definir. Ele age como um homem do povo e ao mesmo tempo mostra que não o é. Ele tropeça pelo caminho, gagueja suas respostas e sempre parece que acabou de levantar da cama.
Por trás disso, contudo, está uma ambição ardente. Sua própria irmã Rachel escreveu num livro sobre a infância do clã dos Johnsons, como ele sempre estava de olho no primeiro prêmio. Em suma: Boris Johnson quer o posto do primeiro-ministro.
Melhores inimigos
Cameron e Johnson vêm de famílias parecidas, da classe alta inglesa, tiveram uma educação semelhante e se conhecem desde crianças. E, no entanto, não poderiam ser mais diferentes.
Enquanto em Cameron o posh boy, o garoto rico arrogante, se encontra logo abaixo da superfície urbana e bem polida, Boris redefiniu totalmente essa imagem. Por isso também ele entrou em pânico quando, alguns anos atrás, se divulgaram fotos suas ao lado de Cameron e do atual ministro das Finanças, George Osborne.
Jovens alunos da Universidade de Oxford, os três desfilavam de smoking, como sócios do famigerado Bullingdon Club, uma sociedade de filhinhos de papai da classe alta, cuja marca registrada é a arrogância e que passam na bebedeira e na baderna os anos de estudo financiados pelos pais.
Ambos se conhecem desde a adolescência no internato de elite de Eton. Enquanto lá Boris era o astro e o porta-voz dos alunos, mais tarde, na universidade, Cameron teve um desempenho muito melhor do que o dele. Dave se tornou líder do Partido Conservador, enquanto Johnson se envolveu numa série de escândalos, comprometendo seriamente suas chances de uma carreira nos escalões mais altos da política.
No entanto, a combinação de irreverência e verniz de cultura agradou aos ingleses, e o chefe de partido acabou tendo que pedir a Johnson que se candidatasse à prefeitura da capital.
Na tradicionalmente esquerdista Londres, o político loiro era o único capaz de arrebatar o posto do Partido Trabalhista. Ele diverte o eleitorado, podendo ter feito carreira como humorista, e isso o transforma na arma mais perigosa na campanha a favor da retirada do Reino Unido da União Europeia.
Luta de viseira aberta
Durante todo o último fim de semana, Johnson alardeou sua indecisão, seu coração dividido, sua agonia política. Somente no fim da tarde de domingo, após longos e teatrais circunlóquios, ele se definiu.
"Só há uma forma de conseguirmos a mudança de que precisamos, e ela é escolher a saída", escreveu no dia seguinte no jornal The Telegraph. Ele afirma que, após um "não" à UE, os britânicos poderiam obter uma nova rodada de negociações em Bruxelas – e ainda mais concessões. Um procedimento, contudo, que alguns Estados-membros já haviam rejeitado explicitamente durante a cúpula da UE na semana passada.
Segundo consta, Cameron teria avisado Johnson sobre sua decisão pouco antes, por uma mensagem de texto. Agora ambos combatem de viseira levantada: o premiê sabe que Johnson está jogando para obter a chefia do partido e, em última análise, abocanhar seu posto à frente do governo.
A popularidade de Boris, sua capacidade de dizer justamente o que os outros querem escutar e seu dom de enobrecer preconceitos por meio de retórica, o transformam no opositor mais perigoso de Cameron na campanha pró-UE. É possível que seja ele a lhe dar o golpe de misericórdia, no fim das contas.
O slogan "Boris for Brexit" por si, já praticamente impossível de suplantar, em sua singeleza aliterativa. Se a União Europeia e o Reino Unido tiverem azar, pode bastar um jogo de palavras para fazer pesar o prato da balança a favor da saída britânica do bloco europeu.