Brasil na vanguarda do desarmamento
21 de outubro de 2005Em termos de violência, o Brasil exibe estatísticas nada animadoras: o país é o quinto no mundo em assassinatos por armas de fogo – são 25 mortes para cada 100 mil habitantes, número superado apenas pela Colômbia, África do Sul, El Salvador e Rússia.
Por isso, o referendo que restringe o comércio e porte de armas de fogo no país, no domingo (23/10), está sendo visto com bons olhos por grupos envolvidos em projetos de desarmamento em nações em desenvolvimento.
Na Alemanha, Julie Brethfeld, pesquisadora do programa de educação sobre o uso de armas de pequeno porte do Centro Internacional de Conversão de Bonn (BICC), ONG alemã que busca o desarmamento mundial, diz que o referendo brasileiro está "na vanguarda" das discussões sobre a relação entre o porte de arma pelo cidadão comum e a escalada da violência em países em desenvolvimento.
"É a primeira experiência que mostra um envolvimento tão grande da sociedade. Trata-se do primeiro referendo do gênero de que temos notícia", ressalta a pesquisadora.
Ritual bélico
Julie Brethfeld diz que a maior parte dos crimes violentos com armas de fogo é praticada por homens com idade entre 15 e 24 anos. "É nesse grupo que o ritual bélico é percebido com mais força. As pessoas precisam estar certas sobre a própria segurança."
Em países em desenvolvimento, as jovens gangues que praticam pequenos furtos podem se tornar potencialmente perigosas quando têm acesso fácil a armas de fogo. Segundo Brethfeld, quando adolescentes e jovens têm acesso a armamentos, cresce tanto a violência intencional quanto a acidental. "É entre pessoas de 15 a 24 anos que ocorre também a maioria dos acidentes domésticos com armas de fogo", explica.
Reduzir a quantidade de armas em circulação na sociedade é vital para reduzir o número de assassinatos, de acordo com a pesquisadora. Segundo ela, o fato de as pessoas não poderem usar armas nas ruas é, por si só, um fator de redução da violência. "Se a pessoa tem de buscar a arma de fogo em casa, pode ser que ela mude de idéia sobre o que pretende fazer no meio do caminho", diz Brethfeld.
O projeto brasileiro, embora esteja na vanguarda das discussões sobre desarmamento, pode sofrer uma crise de credibilidade, caso o Judiciário e a polícia não estejam devidamente aparelhados para passar à população uma "sensação de segurança".
"A mudança na lei e o recolhimento de armas de fogo são questões bem resolvidas [no projeto brasileiro]. Parece-me que o ponto mais fraco do esforço brasileiro é a falta de confiança na polícia", comenta a pesquisadora.
Incapacidade estatal
A impressão de que o governo é incapaz de garantir segurança à população parece ter ter sido o fator que levou boa parte dos brasileiros, nas últimas semanas, a trocar o "sim" à restrição ao porte de armas pelo "não". Pesquisa do Instituto Toledo & Associados, divulgada pela Folha Online, mostra que 52,1% dos brasileiros pretendem votar no "não", enquanto apenas 33,7% tendem a escolher o "sim".
O programa de educação em armas de pequeno porte do BICC foi iniciado em 2003 e já capacitou profissionais em diversos continentes, com foco na África (especialmente em regiões que acabaram de sair de conflitos armados, como Serra Leoa) e na América Latina (onde a ONG atua na Colômbia, país que sofre com o tráfico de drogas e a ação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Farc).
O BICC vem trabalhando no treinamento de grupos distintos – a entidade faz contato com escolas, entidades governamentais e ONGs regionais, distribuindo material didático gratuitamente. "Trabalhamos especialmente em países em desenvolvimento e com alemães que vão fazer algum tipo de trabalho em nações em conflito."
Entretanto, Brethfeld afirma que a necessidade de desarmamento não se restringe somente às nações em desenvolvimento – países desenvolvidos com uma forte cultura bélica também estão na mira da organização. "Adoraríamos fazer um trabalho de educação e treinamento nos Estados Unidos."