Brasília 50 anos
21 de abril de 2010Embora a capital do Brasil tenha sido inaugurada há 50 anos, em 21 de abril de 1960, a ideia de Brasília, como também seu nome, nasceu em 1823, pouco após a independência do Brasil. O conselheiro e ministro do império José Bonifácio, o chamado "Patriarca da Independência" do Brasil, propôs a mudança da capital para a então província de Goiás, no centro do país.
A ideia não foi adiante porque a Assembleia Constituinte, que deveria votar a lei, foi dissolvida por Dom Pedro 1°, filho do rei português. Ele passou de opressor a libertador, ao atender os conselhos de seu pai de se tornar soberano do Brasil, antes que “um aventureiro” o fizesse.
Assim, pelo menos geograficamente, a ideia de ocupação do Brasil pelo novo imperador deu continuidade à política colonialista portuguesa de se contentar em andar arranhando as terras do Brasil "ao longo do mar como caranguejos", como escrevia já em 1627 o historiador Frei Vicente do Salvador.
Sonho e missão
Durante o reinado do seguinte imperador, Dom Pedro 2°, também pouco mudou. Uma exceção foi o célebre sonho do sacerdote italiano São João Bosco, que muitos acreditam ter previsto, em 1883, o surgimento de uma nova cidade no Planalto Central do Brasil.
Somente com a proclamação da república, em 1889, deu-se prosseguimento ao projeto de mudança da capital do Brasil para o interior. Em 1891, a nova Constituição republicana estipulava a transferência. Criou-se então uma comissão exploradora do Planalto Central do país.
Entre1892 e 1894, a chamada Missão Cruls, composta por 21 pesquisadores e liderada pelo astrônomo Luiz Cruls, realizou mapas climáticos e topográficos, registros da fauna e da flora e levantamentos etnográficos da população rural. Coube também à missão demarcar uma área destinada à construção da nova capital.
"Plano de metas"
O projeto, no entanto, teve que esperar mais de meio século para se tornar realidade. Nesse meio-tempo, duas importantes capitais estaduais foram planejadas e construídas no interior do país, Belo Horizonte (1897) e Goiânia (1933). Em meados dos anos 1950, uma nova comissão determinou com precisão a localização de Brasília e um novo presidente, cujo lema da campanha eleitoral era fazer o Brasil avançar "50 anos em cinco", iniciava sua construção.
Em seu "plano de metas", o presidente Juscelino Kubitschek apostou no desenvolvimento da indústria automobilística e na expansão do Brasil para o interior. A transferência da capital levou à construção de importantes rodovias em todas as direções, o que permitiu a criação de novas cidades e a integração de boa parte da região Centro-Oeste e da Amazônia.
Além de servir de polo de atração para a conquista interna do território, Brasília simbolizou, como um monumento, um traço de união e o ponto de partida de um novo Brasil, que assumia seu caráter nacional e queria fazer jus aos dizeres escritos em sua bandeira: "Ordem e Progresso". Para tal, era preciso deixar a costa, largar a antiga capital marcada pela corrupção e pelo passado colonial e acreditar no desenho de um novo país.
Passado e futuro
"Quando o design sugere futuro, ele se despede do passado", escreveu o pensador alemão Max Bense em meados dos anos 1960, referindo-se a Brasília. E foi essa a proposta que Juscelino Kubitschek lançou ao convidar, após assumir o poder em 1956, seu velho conhecido Oscar Niemeyer para projetar os edifícios mais representativos da futura capital.
Como diretor da Novacap, órgão responsável por todas as operações visando a implementação e construção de Brasília, Niemeyer também poderia ter elaborado o traçado urbano da cidade, mas recusou-se e aconselhou a instituição de um concurso público, aberto somente a arquitetos e urbanistas brasileiros.
Kubitschek recusara anteriormente uma oferta de serviços feita, sem que fosse solicitada, pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier. Na época, a arquitetura moderna brasileira já gozava de renome internacional e os arquitetos brasileiros já se sentiam suficientemente maduros para enfrentar o desafio.
Lucio Costa
Em março de 1957, o júri composto por especialistas brasileiros e internacionais escolheu por unanimidade a proposta do urbanista Lucio Costa como vencedora. Filho de diplomata, Costa nasceu em Toulon, na França, e estudou arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Ao se tornar diretor dessa escola, entre 1930 e 1931, ele defendeu o ensino da arquitetura moderna no Brasil.
Foi Lucio Costa que reconheceu e impulsionou o talento de Oscar Niemeyer. No entanto, não foi a amizade de Niemeyer que levou o projeto de Lucio Costa à vitória. Como afirmou o historiador francês Yves Bruand em seu livro Arquitetura contemporânea no Brasil, era "evidente a superioridade da obra vencedora, sua impecável clareza e sua perfeita coerência com o ideal de que Brasília devia ser o símbolo eficiente".
Dois eixos perpendiculares
Costa iniciou o texto explicativo de seu projeto, desculpando-se perante a comissão julgadora pela qualidade da apresentação feita em rascunhos e afirmando que "não pretendia competir e, na verdade, não concorro, – apenas me desvencilho de uma solução possível, que não foi procurada mas surgiu, por assim dizer, já pronta".
Como escreveu Bruand, todos os projetos apresentados, inclusive o vencedor, tinham uma inspiração racionalista: a divisão em setores segundo as quatro funções principais – habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espírito, circular – enunciadas pelo manifesto urbanístico conhecido como Carta de Atenas de 1933.
Outra importante inovação era a substituição da antiga rua por uma nova concepção que desse prioridade aos espaços livres e aos blocos isolados.
Segundo Costa, sua proposta partia do "gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz".
O Eixo Monumental foi consagrado aos prédios do setor público e ao longo do Eixo Rodoviário-Residencial se espalhavam as superquadras – quarteirões de 240m de lado, cada um contendo11 blocos residenciais e uma escola. A intersecção dos dois eixos foi destinada a funções mistas: estação rodoviária, comércio, bancos.
Cidades-satélites
Adaptando-se à topografia do terreno, ao escoamento natural das águas e evitando a perspectiva monótona de uma rua reta, Costa arqueou o Eixo Rodoviário-Residencial, o que fez com que chamado Plano Piloto lembrasse o desenho de um avião pousado ao lado de um lago artificial. Projetando-o para 500 mil habitantes e, posteriormente, ampliando-o para 700 mil com a ocupação das margens do lago, Lucio Costa não previu uma nova ampliação do Plano Piloto.
Inspirado por ideais socialistas da modernidade, a proposta de todas as classes dividirem o mesmo espaço não se tornou realidade. Brasília era destinada ao funcionalismo público, mas esqueceu que os milhares de trabalhadores que a construíram não pretendiam partir. Como polo de atração, a cidade acabou chamando outros milhares, o que levou à criação de cidades-satélites, onde hoje mora a maior parte dos cerca de 2,6 milhões de habitantes do Distrito Federal.
Projeto de futuro
É importante lembrar que sua data da inauguração – 21 de abril – é a mesma da morte daquele que é considerado o primeiro libertador brasileiro: Tiradentes. Enforcado pela Coroa Portuguesa em 1792, a figura de Tiradentes foi utilizada posteriormente, tanto pela esquerda como pela direita, como representante do herói nacional. Dessa forma, além da data, Brasília e Tiradentes têm algo em comum.´
Em 1960, a maioria dos prédios de Brasília ainda estava incompleta. Juscelino Kubitschek, no entanto, queria inaugurar sua maior obra ainda em sua legislatura. Nos anos seguintes, as obras pouco avançaram.
Somente com o advento da ditadura militar, após a Revolução de 1964, deu-se continuidade aos trabalhos. Brasília tornou-se então símbolo do poder autoritário.
Em meados dos anos 1980, o Eixo Monumental se tornou palco de imensas manifestações populares por eleições diretas no Brasil. Nos anos seguintes, o pais se redemocratizou e Brasília fazia jus à sua função de monumento de "brasilidade", trazendo o desenvolvimento para o interior do país e ajudando o Brasil a se tornar uma potência emergente.
A qualidade arquitetônica do projeto de Lucio Costa é indiscutível. Em 1987, o Plano Piloto foi tombado como Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco. Mas, 50 anos após sua fundação, talvez a principal lição que se possa tirar de Brasília é que a arquitetura sugere futuro, mas não pode evitar uma revolução.
Autor: Carlos Albuquerque
Revisão: Augusto Valente