Viver em Brasília
21 de abril de 2010Caminhões, poeira e barulho. Muito barulho. Foi ao som dessa sinfonia que Orlando Brito viu Brasília nascer, há mais de 50 anos. O jornalista, hoje com 60 anos, mora na capital desde os sete e assistiu a transformação de uma paisagem.
Quando Gilberto Cézar nasceu, em 1976, a capital federal brasileira já estava pronta. Filho de mãe mineira e pai paraibano, ele foi criado em Guará, cidade-satélite de Brasília. Pela janela do carro aprendeu o que era uma cidade planejada: "Minha avó morava na Asa Norte, quando íamos fazer uma visita, a gente passava pelo Plano Piloto, era demorado, mas adorava."
Dois anos depois, em 1978, Gustavo Braz vinha ao mundo naquela cidade que o influenciaria decisivamente. O arquiteto, filho de pais médicos e neto de deputado federal, viveu no Plano Piloto desde a infância e deslumbrou-se com a paisagem. “Escolhi fazer arquitetura justamente pelo fato de viver em uma cidade em que os prédios eram bonitos e diferentes, e a cidade era organizada. Sempre gostei das áreas humanas e vejo que Brasília estimula os nossos sentidos.”
Testemunha da transformação
Em 1959, Orlando Brito viajara com o pai a convite de um amigo da família próximo e ilustre, o então presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek. "Meu pai tinha sido prefeito de Janaúba e o Juscelino foi governador do estado de Minas Gerais. Então o meu pai seguiu os caminhos do amigo e mudou-se para o que viria a ser Brasília", narra.
Das imagens que o jornalista e fotógrafo conservou em sua memória, o movimento é um elemento constante. "Antes da inauguração de Brasília existiam duas coisas somente: o barulho das máquinas – e dos tratores indo e vindo para todos os cantos. E a poeira muito grande por conta do desbravamento do cerrado."
No meio daquele cenário empoeirado, do fim da década de 1950, Orlando trabalhava como guia de novos funcionários que chegavam para a construção da capital. "Eu conhecia todos os caminhos, mas não eram ainda as ruas definitivas, eram vielas. Eu ficava assustado, mesmo menino, com o poder de transformação de uma paisagem. Um dia eu passava e via um andar, no outro dia eram três andares, na outra semana o prédio estava pronto."
Dois mundos
Gilberto, ainda pequeno, já entendia as diferenças entre a capital federal e a cidade-satélite onde fora criado. Brasília tinha ruas largas, Guará ainda não tinha asfalto. Brasília tinha a Esplanada dos Ministérios, em Guará eram apenas residências. "Meus pais explicavam que tudo aquilo tinha sido criado, planejado, não aconteceu do nada. Então eu comecei a entender porque Brasília era tão arrumadinha."
O movimento em Brasília não era, para Gilberto, algo notável na sua adolescência, na década de 1980. "Não tinha nada para fazer na cidade. O programa da juventude era acampar ou montar uma banda. Mas hoje já é bem diferente."
Ainda naquela época, entre festinhas e namoradas, mais descobertas sobre a vida no Plano Piloto. "Quem morava no Plano tinha mais dinheiro, era filho de político ou funcionário público e tinha uma visão diferente do mundo", conta o empresário de hoje, que buscava diversão em Brasília, percorrendo de ônibus os dez quilômetros que separam Guará da capital brasileira.
O dia-a-dia na cidade planejada
Viver em Brasília não é, para o arquiteto Gustavo, como habitar qualquer cidade brasileira. “Brasília não favorece o deslocamento de pedestres, apesar de cada quadra possuir um comércio local que, na maioria dos casos, é insuficiente para a demanda.”
As distâncias “bucólicas” previstas no projeto de Lúcio Costa têm as suas desvantagens. “Elas tornam os percursos muito extensos. Por isso se faz necessário a utilização de automóveis para todos os lugares. As pessoas que andam de ônibus sofrem um pouco com isso”, opina o morador Gustavo.
A convivência num desenho urbano pensado não afeta a vida do fotógrafo Orlando. "Muita gente fala que a cidade carece de calor humano, mas eu não sinto. Não creio que o formato físico da cidade influa na vida de cada pessoa." Ele faz uma pausa e admite: "Às vezes é bom ter convívio com multidões das grandes cidades, ficar diante de um cruzamento de rua, barulho do carro. Em Brasília ninguém buzina, porque o trânsito é certinho."
Já Gustavo olha para cidade que ama com uma visão mais crítica. “O que falta em Brasília são pessoas que a entendam e que a defendam. Vejo que não há continuidade de planejamento na cidade e acabamos vendo Brasília se deteriorar e se descaracterizar. A cidade tem crescido geometricamente e tem se tornado caótica.”
Gilberto conserva o romantismo e diz que não tem coragem de deixar jamais o ambiente que acolheu seus ascendentes migrantes, e onde venceu. “O burburinho é uma pitada de sal na vida de qualquer cidadão de cidade grande.”
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Carlos Albuquerque