O que explica o mau desempenho das candidaturas coletivas
11 de outubro de 2022Diferentemente do que esperavam especialistas ouvidos pela DW Brasil, o desempenho das chamadas candidaturas coletivas no primeiro turno das eleições de 2022 ficou abaixo do obtido nos pleitos de 2020 e de 2018.
Das 220 mapeadas pelo DeltaFolha, foram eleitas apenas duas: a Bancada Feminista e o Movimento Pretas, segundo levantamento parcial da Frente Nacional de Mandatas e Mandatos Coletivos (FNMMC), entidade que reúne candidaturas e mandatos que adotam o modelo no qual um representante eleito para o Legislativo se compromete a dividir o poder com um grupo de cidadãos.
Contabilizando as duas que conquistaram cadeiras na Assembleia Legislativa de São Paulo, o que o pesquisador Leonardo Secchi, da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) chama de "taxa de sucesso eleitoral" ficou em 0,91%, cerca de seis vezes menor que a de todas as candidaturas em 2022, de 5,7% (28.274 candidatos para 1.599 vagas legislativas).
Conforme cálculo do especialista consultado pela DW, em 2020, a relação foi menos desigual, com 7%, contra 11,2%.
As explicações para o resultado da votação de 2 de outubro passam pela conjuntura política do país, pela estrutura e desinteresse dos partidos, pela legislação eleitoral e pela composição e atuação das próprias candidaturas coletivas, segundo fontes ouvidas pela DW Brasil.
Cai "sucesso eleitoral" das candidaturas coletivas
A análise de Secchi aponta dois motivos para a queda do percentual das candidaturas em grupo que foram eleitas este ano. Um é a proliferação de candidaturas coletivas, comparadas com as 28 de 2018, das quais seis se elegeram.
"O grande número de candidaturas em 2022 faz com que haja uma diminuição do ineditismo discursivo em torno deste tipo de campanha, assim como uma competição entre candidaturas coletivas pelos mesmos espaços identitários ou de causas, dividindo votos e diminuindo a chance de sucesso" afirma Secchi, que coordena, junto com quatro acadêmicos da Universidade de Brasília (UnB) e das universidades federais de Alagoas e de Santa Catarina, estudos sobre cinco tipos de candidaturas coletivas e compartilhadas no Brasil.
O pesquisador levanta outra hipótese para os índices alcançados pelas candidaturas coletivas em relação à taxa geral: o perfil e a pouca experiência em campanha política de integrantes da maioria dos grupos. "As candidaturas coletivas são muito utilizadas por grupos 'identitários', em torno de pautas feministas, de raça, LGBT ou de causas como a ambientalista e da defesa dos animais, o que pode levar a um menor espectro argumentativo que capte preferência eleitoral suficiente para eleger deputados ou senadores", defende.
Descompasso entre coletivos e legendas
A FNMMC e os integrantes dos coletivos depositam nos partidos parte da responsabilidade pelo fraco desempenho nas eleições deste ano. Luciana Lindenmeyer, pesquisadora e representante da Frente, afirma que há um descompasso entre as propostas dos coletivos de "pôr a periferia no centro" e as condições oferecidas pelas legendas.
"Os mandatos coletivos defendem a descentralização e o compartilhamento de poder com a população. No entanto, os partidos não aderiram a essa ideia e apoiam pouco. Muitas coletivas de mulheres negras tiveram poucos recursos para a campanha. Além disso, o racismo continua sendo presente em todos os partidos, atrapalhando o desempenho eleitoral", diz Lindenmeyer, doutoranda pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
A votação expressiva em candidatos a deputados e senadores conservadores e de extrema direita, e o desempenho do presidente Jair Bolsonaro acima dos índices das pesquisas de opinião entram no diagnóstico feito por Joelma Carla, uma das quatro codeputadas da Juntas (Psol) que não conseguiram se reeleger para Assembleia Legislativa de Pernambuco. "Infelizmente, o que a gente percebe é que as ondas conservadoras tomaram uma proporção absurda nessa eleição e isso teve um impacto em todos os estados", diz.
Monica Seixas, deputada estadual de São Paulo eleita em 2018 pela Mandata Ativista e reeleita este ano pelo Movimento Pretas, ambos pelo Psol, reforça a análise de Joelma Carla sobre a eleição de 2022 que, segundo ela, se mostrou "muito atípica" e representou um "pausa geral no movimento de renovação": "As pessoas estavam buscando a segurança do que já conhecem. A gente vê isso, por exemplo, na minha reeleição e da Bancada Feminista (que ocupa uma cadeira na Câmara de São Paulo)".
A busca por segurança que teria contribuído para o sucesso do Movimento Pretas (106.781 votos) e da Bancada Feminista (259.771 votos) nas urnas não ajudou três militantes vindos do Quilombo Periférico, eleito em 2020 para a Câmara de São Paulo com 22.742 votos, a chegar à Alesp, a assembleia legislativa paulista.
O assistente social Julio César, a professora Vânia Pereira, e Célia do MST receberam 13.734 votos.
Os motivos da queda, na opinião de Alex Barcellos, covereador pelo Quilombo, são diversos. Vão, segundo ele, da força de nomes tradicionais de partidos de esquerda, como Eduardo Suplicy, eleito com 807.015 votos, disputando o mesmo espaço, a baixa arrecadação e uma "tendência conservadora no voto".
PT e Psol concentraram metade das candidaturas coletivas
Secchi, porém, não reforça a ideia de que a onda de extrema direita seja uma das causas do desempenho de 218 grupos de candidatos não eleitos e defende a tese de que o pleito de 2022 se caracterizou pela polarização sem premiar o modelo representado pela FNMMC.
Estudos coordenados por ele e por quatro outros acadêmicos mostram que as candidaturas coletivas estão prioritariamente em legendas posicionadas ideologicamente, segundo a visão dos pesquisadores, entre esquerda e extrema esquerda.
"Partidos como o PT e o Psol, que tiveram expressivo crescimento de suas bancadas no Congresso, também foram os partidos que concentraram quase metade das candidaturas coletivas, sendo 100 das 220 mapeadas. Ou seja, estes partidos cresceram, mas não aumentaram as chances de sucesso de suas candidaturas coletivas", diz.
Para 2024, a melhoria do desempenho do modelo depende, na opinião do pesquisador, dos parlamentares e da FNMMC, de mudanças no âmbito da legislação eleitoral e na organização e na estratégia, tanto dos partidos quanto dos coletivos. "Temos que levar a pauta (dos mandatos coletivos) para o Congresso para discutir as estruturas jurídicas e eleitorais para que tenhamos um respaldo maior e responsável pelos mandatos e mandatas coletivas", diz Alex Barcellos.
Um dos avanços necessários, na opinião de Joelma Carla, é derrubar o dispositivo que veda o registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do nome de urna do coletivo.
Necessidade de pluralismo interno
Monica Seixas e Alex Barcellos destacam a educação política como uma ação para ampliar o espaço dos mandatos coletivos. O covereador sugere a implantação de projetos pedagógicos em escolas e centros comunitários ensinando como o parlamento funciona, como a política afeta o cotidiano do cidadão e a importância da democracia para o país. Já a deputada estadual planeja criar uma escola de formação parlamentar para mulheres negras.
Em outras palavras, Secchi também inclui a educação em sua lista de sugestões: "É preciso uma maior capacitação eleitoral e de estratégia dos candidatos, uma melhor distribuição dos recursos dentro dos partidos, que hoje privilegiam reeleição ou candidatos com maior viabilidade eleitoral, e a ampliação do espectro ideológico ou de causas das candidaturas coletivas", diz o pesquisador da Udesc.
Na receita do professor, um coletivo feminista pode ampliar o diálogo com outros públicos se tiver cocandidatos com origem social, política e geográfica distintas. "Para isso, as candidaturas devem estar dispostas a aumentar o pluralismo interno de seus grupos".
O "sucesso eleitoral" de Monica Seixas e do Movimento Pretas seguiu direção contrária. A experiência anterior da parlamentar na Mandata Ativista foi marcada por disputas internas dentro de um grupo heterogêneo, que resultou na saída de integrantes e na ausência de programa político consensual entre os membros.
"Ocorreram muitas divergências em pautas pelas quais fomos eleitos para defendermos, como as questões LGBTQIA+. O Movimento Pretas permite uma atuação conjunta que vai para além das eleições, as integrantes são conectadas em movimentos e pautas. Nós tomamos decisões em conjunto e priorizamos as mesmas pautas, que têm sempre a periferia como centro. O desejo principal é abrir mais espaço na Alesp e ampliar a presença de mulheres negras em um espaço predominantemente hétero, branco e machista", afirma.
A DW Brasil entrou em contato com integrantes da Bancada Feminista, mas as codeputadas eleitas não responderam ao pedido de entrevista antes do fechamento deste texto.
O TSE informou que o sistema de registro de candidaturas do tribunal não tem um campo para a modalidade de candidaturas coletivas e, "por isso, não é possível encontrar dados sobre o tema, uma vez que isso não está previsto em lei. Contudo, o mandato coletivo é, sim, permitido, por meio de Resolução da Corte Eleitoral."