Caso Simone Biles põe em foco saúde mental de atletas
29 de julho de 2021A decisão da atleta americana Simone Biles de suspender sua participação em provas dos Jogos Olímpicos de Tóquio chamou atenção para o papel da saúde mental no esporte. E, mais especificamente, para os "twisties", um perigoso bloqueio conhecido pelos ginastas.
Nesta quarta-feira (28/07), a Federação de Ginástica dos Estados Unidos (USA Gymnastics) anunciou ela que ficaria fora da prova geral individual de ginástica artística. Na véspera, ela se retirara da competição por equipes, afirmando sentir-se "pressionada e insegura". De fato: ao executar um salto, a atleta pareceu ficar desorientada e tropeçou ao aterrissar.
A USA Gymnastics pretende reavaliar se Biles ainda participará de alguma das outras quatro finais individuais para que se classificou. Ao comunicar sua decisão numa coletiva de imprensa, na terça-feira, a jovem de 24 anos explicou: "Simplesmente não confio tanto em mim como antes. Fico um pouco mais nervosa quando faço ginástica. Sinto que também não estou me divertindo tanto."
Para ela, a prioridade do momento está clara: "Tenho que colocar minha saúde mental como prioridade. Não vejo problema em desistir de grandes competições para focar em mim mesma, porque mostra força como competidora e como pessoa", afirmou em Tóquio.
Por ter tido a coragem de se revelar vulnerável, num campo de atividade cujos participantes costumam ser vistos como super-heróis, Biles tem recebido numerosas manifestações de apoio do mundo do esporte profissional e mais além.
Misteriosos "twisties"
Considerada uma das maiores representantes de sua modalidade de todos os tempos, Biles revelou também aos jornalistas que tivera "um pouquinho de 'twisties'". Com essa gíria, sem tradução em português, as ginastas americanas descrevem a perda da noção do espaço e do movimento durante uma manobra aérea.
O misterioso fenômeno é comparado a um bloqueio mental, resultando na sensação de incapacidade de controlar o próprio corpo, num momento em que está solto no espaço. De repente, a/o ginasta é incapaz de executar um movimento repetido milhares de vezes antes, o físico não coopera, o cérebro perde a orientação no ar e só descobre onde o chão está, ao bater nele.
A ginasta inglesa Claudia Fragapane, que em 2016 competiu nos Jogos do Rio de Janeiro, conhece o problema: em abril, ela não passou na rodada classificatória para Tóquio, depois de uma queda em seguida a um bloqueio mental, na qual machucou a cabeça.
À BBC, ela disse que consegue "compreender exatamente como Simone estava se sentido": "É realmente perigoso, se você duvida de si, mesmo só um pouco, pode se ferir de verdade. Estive no lugar dela e acabei me machucando."
Esporte mortal
Pouco se sabe concretamente sobre os "twisties", além de seus efeitos, mas acredita-se que esteja relacionado a medo, estresse e às pressões da profissão. Como a maioria de seus colegas, Simone Biles sofreu a pressão para ser perfeita desde muito cedo.
Isso é aliado a um ambiente marcado por abusos, psicológicos e até sexuais: a detentora de quatro medalhas de ouro olímpicas e 19 títulos mundiais foi uma das dezenas de atletas citadas no escândalo do ex-médico de ginastas americano Larry Nassar, condenado em 2018 a até 175 anos de prisão pelo abuso sexual de dezenas de mulheres.
O caso de Biles também lembra que a ginástica artística pode ser um esporte mortal se, por qualquer motivo, a/o atleta não se concentra inteiramente na tarefa que executa.
"Simplesmente, a sua vida está em perigo quando você está fazendo ginástica", confirma o ex-ginasta de elite Sean Melton, ao jornal The Washington Post. E em caso de "twisties", "é aterrorizante, de verdade, porque não se tem a menor ideia do que vai acontecer".
av/lf (AFP,DW,ots)