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Ceticismo crescente impõe desafio à União Europeia em meio à crise

Nils Neumann (Mp) 1 de maio de 2013

Confiança no bloco europeu jamais foi tão baixa, tanto entre países mais estáveis, quanto entre os mais afetados pela turbulência econômica. Especialista fala em "vírus" do euroceticismo, que pode custar caro à UE.

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Foto: Reuters

José Ignácio Torreblanca compara o ceticismo sobre o euro com um vírus do qual aparentemente quase ninguém consegue escapar. E atualmente, diz o cientista político espanhol, todo o continente se infectou.

A confiança na União Europeia (UE) caiu de forma significativa entre 2009 e 2012. Segundo pesquisa recente realizada pelo próprio bloco europeu, os países do sul do continente, com seus programas de reestruturação e luta ostensiva contra a crise econômica, são especialmente afetados por esse receio.

Na Espanha, por exemplo, apenas 20% dizem confiar na UE – em 2009, o índice era de 56%. A Itália, terceira maior economia do bloco e severamente atingida pela crise, também se tornou cética sobre o euro. A confiança deles no bloco econômico caiu, no mesmo período, de 52% para 31%.    

A União Europeia também perdeu a boa imagem nos países tidos como mais estáveis, como Alemanha e França. Entre os alemães, apenas 30% ainda acreditam na UE, 14 pontos menos que em 2009. Entre os franceses, no mesmo período, a confiança caiu oito pontos percentuais, chegando a 34%.

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Rainer Wieland, eurodeputado da CDU e defensor do resgate do euroFoto: imago/Gerhard Leber

Segundo Torreblanca, o surpreendente é que "quase todo o europeu se enxerga como vítima na crise". E isso, afirma, vale não somente para os países doadores, como a Alemanha, mas também para os países que recebem auxílio, como a Espanha.

"As pessoas têm medo do futuro, medo de perder seu emprego e seu padrão de vida. Elas culpam a Europa pela crise", diz a eurodeputada alemã Jutta Steinruck, membro do Partido Social-Democrata (SPD), de oposição.

Torreblanca diz que existe uma correlação entre a situação econômica e a confiança na UE. Para ele, porém, o problema é mais profundo. "As pessoas têm a sensação de terem perdido o controle. Elas serão obrigadas a aceitar coisas que vão deixá-las sem alternativa."

Espaço para radicais

No período de crise, os alemães são forçados a concordar com novos pacotes de crédito, e os países do sul da Europa, com contrapartidas austeras. “Esta é a erosão da democracia”, afirma o cientista político. Em um regime democrático, prossegue, é preciso eventualmente oferecer uma alternativa. E o grande perigo, segundo ele, seria resgatar o euro, porém perder o apoio dos cidadãos.

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O Movimento Cinco Estrelas, de Beppe Grillo, criado na Itália como protesto em meio à criseFoto: Reuters

“Infelizmente, há algum tempo, nós temos falado que a situação está sem alternativa”, opina o alemão Rainer Wieland, vice-presidente do Parlamento Europeu e membro da União Democrata Cristã (CDU), partido de Angela Merkel.

Defensor do resgate do euro, Wieland se diz satisfeito com o fato de, segundo ele, a grande maioria dos políticos alemães também pensar assim. Apesar disso, considera que opções diferentes devem ser discutidas publicamente no futuro. “Sempre há alternativas”, diz o eurodeputado, que considera que os alemães poderiam, por exemplo, negar apoio aos países, mas teriam, ao mesmo tempo, que aguentar as consequências negativas da decisão. 

Até o momento, nem na Alemanha nem na Espanha há um grande número de pessoas que defendam a saída do euro ou da União Europeia. Mas muitos estão, de uma forma ou de outra, insatisfeitos com a pesada luta contra a crise. Muito se deve também ao fato de que, até o momento, as medidas de austeridade de combate a crise apresentaram poucos resultados concretos.

A Espanha, por exemplo, se afunda cada vez mais na recessão. O desemprego está atualmente em 27%, sendo que na camada jovem da população o índice supera 50%. Ao mesmo tempo, muitos alemães já não veem muito sentido em financiar, através de seus impostos, novos programas de crédito aos países endividados.

“O pensamento de uma Europa solidária está se perdendo. As pessoas estão começando a desconfiar uma das outras, e reconstruindo imagens de velhos inimigos. Não seria a primeira vez na história que extremistas políticos usam crises para seus propósitos”, opina Steinruck.

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A eurodeputada alemã Jutta Steinruck, do SPDFoto: DW

Rainer Wieland concorda com a colega eurodeputada: “O perigo está justamente aí, no fato de as pessoas procurarem a salvação em partidos populistas.” Neste momento, correntes populistas  em países como Grécia e Itália crescem cada vez mais. Na Alemanha, um novo partido tem, como principal plataforma, a defesa da saída da zona do euro.

Reforma estrutural

De acordo com Wieland, o risco de que a Europa afunde por falta de apoio das pessoas é real. “Nós precisamos voltar a falar das boas coisas. Se nós considerarmos de onde o nosso país saiu, a gente chega à conclusão de que estamos em uma situação extraordinária.” A visão da Europa como um continente pacífico, afirma, parece ainda bastante viva.

Steinruck exige acima de tudo cada vez mais sinceridade sobre o tema. “O que é bom e vem da Europa precisa ser reconhecido. Esquece-se muito frequentemente que nossos postos de trabalho e nosso bem-estar estão vinculados à Europa”, lembra.

É comum que políticos atribuam os sucessos da Europa a medidas tomadas por seu país e culpem Bruxelas pelo que de ruim acontece. É um padrão que, segundo especialistas, pode explicar a falta de popularidade da UE. Porém, afirmam, não é suficiente para explicar a onda de ceticismo em relação ao bloco.

Torreblanca vê sobretudo uma crise de legitimidade. “Por isso devemos fortalecer a democracia”, diz o analista espanhol, para quem parte do processo decisório europeu precisa ser melhorado, tanto nos níveis nacionais como europeus. 

Para o cientista político espanhol, não é possível que sejam tomadas decisões durante a madrugada em reuniões fechadas do Eurogrupo ou em reuniões de tecnocratas, e que, depois, os parlamentos tenham simplesmente que aprovar tais decisões. Sem uma mudança nessa estrutura, diz Torreblanca, não se pode evitar que o vírus do “euroceticismo” permaneça nas pessoas por mais tempo.