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Ciranda ideológica e delírio pelo poder

Soraia Vilela19 de setembro de 2005

Os resultados das eleições deixam no ar a pergunta: o que significa hoje no país direita, esquerda e centro? Cogita-se formar coalizões antes impensáveis e os social-democratas insistem: governo só com Schröder à frente.

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Quem governa à sombra de quem?Foto: AP

Se a confusão pós-eleições estivesse acontecendo em algum país do chamado Terceiro Mundo, o comentário de praxe seria sem dúvida: trata-se de uma "república das bananas". A apuração do pleito na Alemanha deixou analistas políticos desorientados e comentaristas estrangeiros boquiabertos. Afinal, como se pode pensar, agora, num governo formado por correntes políticas que, pelo menos à primeira vista, se diferem tão fundamentalmente?

Merkel: negociações com quase todos

A candidata da CDU (União Democrata Cristã), Angela Merkel, se diz aberta a negociar "com todas as facções, com exceção do Partido de Esquerda". Ou seja, os tradiconalmente conservadores democrata-cristãos se dizem aptos a formar um governo com os arquirrivais social-democratas e até mesmo com os verdes, que, no cenário político alemão, estão a anos luz de distância das propostas defendidas pelo partido de Merkel, Stoiber & cia.

Paul Kirchhof
Paul KirchhofFoto: dpa - Bildfunk

Vide questões relacionadas à energia atômica, mercado de trabalho, previdência e até política externa. Talvez para amenizar os contratempos, Paul Kirchhof, indicado para a pasta das Finanças num governo Merkel, anunciou nesta segunda-feira (19/09) que não pretende assumir o cargo.

Outra possibilidade inverossímil de coalizão une verdes, liberais e social-democratas. Um cenário que também beira o absurdo, pois o FDP de Guido Westerwelle se auto-afirmou durante a campanha eleitoral por seus ataques ferrenhos ao atual governo social-democrata-verde. Se agora formasse uma aliança com os mesmos, é possível que garantisse derrotas homéricas nos pleitos dos próximos anos.

Quanto fisiologismo cada um agüenta?

Ampelkoalition
Schröder (SPD), Westerwelle (FDP) e Fischer (Verdes)Foto: Montage/Bilderbox/AP

Ou seja, a questão que se coloca é: a quanto fisiologismo político os partidos alemães estão dispostos? Quem vai ceder e até que ponto? Enquanto o SPD insiste que só fecha uma "grande coalizão" com a rival CDU se o governo for encabeçado por Schröder, os democrata-cristãos afirmam que uma aliança com os social-democratas só será selada se tiver Merkel à frente. Diante do beco aparentemente sem saída, é possível que haja até mesmo o anúncio de novas eleições. E tudo voltaria à estaca zero.

Novas eleições que forcem o eleitor a escolher um ou outro? Isso num momento em que não há nem mesmo um consenso interno entre democrata-cristãos. Edmund Stoiber, presidente da União Social Cristã (CSU), partido ligado à CDU, passou a defender, por exemplo, uma coalizão com liberais e verdes. Outros democrata-cristãos, porém, reviram os olhos para esta que no país vem sendo chamada de "coalizão Jamaica", numa alusão às cores dos três partidos – as mesmas da bandeira do país caribenho.

"Não posso falar uma coisa e fazer outra"

Bildgalerie Nach den Wahlen Grünen Joschka Fischer
Joschka Fischer após as eleiçõesFoto: AP

O verde Joschka Fischer garante que deixa o posto de ministro do Exterior sob um governo Merkel. "Não posso falar para as pessoas que continuamos rejeitando uma política da frieza social e do retrocesso ecológico e, ao mesmo tempo, fazer algo completamente diferente."

Vários social-democratas demonstram a esperança de que a geléia geral acabe numa junção do partido de Schröder com verdes (como antes) e liberais. A parlamentar Andrea Nahles, por exemplo, afirmou que vê nesta combinação a melhor saída. Mas como, se os liberais se negam a selar tal coligação?

Sem contar que pensar numa cooperação entre verdes e os pais do neoliberalismo deve provocar dores de estômago nos correligionários de um e de outro lado. Mesmo porque, como analisa o diário Der Tagesspiegel, não é de se esperar que o carro liberal que anda à direita dê quaisquer sinais de uma guinada para a esquerda.

Futuro sem oposição

Será que tudo vai acabar em chucrute? Improvável, numa Alemanha que regulamenta tudo em excesso e na qual para qualquer eventualidade existe uma instância jurídica a ser acionada. Se a economia mais forte da UE vier a ser governada pelos rivais CDU e SPD, não importa quem ocupe o posto de chanceler federal, vai faltar ao país uma oposição que se preze e que controle o governo – algo não apenas saudável, mas praticamente indispensável.

Bildgalerie Nach den Wahlen Gysi und Lafontaine
Gregor Gysi (esq.) e Oskar LafontaineFoto: AP

Os gritos da oposição, no caso, viriam principalmente do Partido de Esquerda, que embora se auto-intitule e reclame para si a posição esquerdista, mais parece um nicho criado para cultuar os líderes Gregor Gysi e Oskar Lafontaine. "No universo paralelo socialista, eles querem soltar cada vez mais faíscas. Nunca um partido foi tão desnecessário no Parlamento quanto este", alfineta o semanário Der Spiegel.

Schröder fora de si

Bildgalerie Nach den Wahlen Schröder
Schröder esfuziante com os resultadosFoto: AP

Um capítulo do dia das eleições registrado pela mídia do país com perplexidade foi o comportamento de Schröder frente às câmeras na noite do domingo (18/09). "Ele parecia em êxtase", observa o Berliner Zeitung. O diário ironiza que o premiê deu a impressão de estar tão fora de si que seus assessores teriam estado em condições "de pegar o chefe de governo pela mão, entregando-o a senhores de jaleco branco".

E a avaliação do jornal vai mais longe, ressaltando a sensação dos jornalistas e espectadores de que o premiê parecia não estar consciente do que dizia. "Ele desapareceu atrás de uma máscara e, na noite da segunda-feira, quando não encontrou mais esta máscara, ficou completamente louco. Quando a achou de novo, aí podíamos reconhecê-la como uma máscara."

Fran-Josef Strauß
Franz Josef StraussFoto: DHM

O jornal foi até mesmo buscar na história política alemã outros deslizes desencadeados pelo delírio do poder, comparando o Schröder pós-eleições à figura do político bonachão de direita Franz Josef Strauss, que no passado da "República de Bonn" era conhecido por ter aparecido embriagado em público. Resta ver até onde a embriaguez de Schröder (e do país no momento) vai chegar.