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Clichês ou verdades sobre o islamismo?

(sm)10 de fevereiro de 2006

Pesquisadores de migração acusam socióloga turco-alemã de propagar clichês contra turcos e muçulmanos.

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Casamentos forçados não são especialidade islâmica, protestam pesquisadoresFoto: Ingrid Meyerhöfer
Buchcover: Necla Kelek - Die fremde Braut
Necla Kelek: 'Die fremde Braut' (A Noiva de Fora)

"Zeynep, 28 anos, mãe de três filhos, vive há 12 anos em Hamburgo. Ela se encarrega dos trabalhos domésticos de sua família e não fala uma palavra de alemão. Só sai de casa para ir à aula de Alcorão. Ela é uma gelin importada, uma escrava moderna. A cada ano, milhares de jovens turcas são trazidas para a Alemanha e submetidas a casamentos forçados. Os direitos fundamentais democráticos não valem para elas e ninguém se interessa pelo seu destino. A comunidade turco-muçulmana se escora em tradições culturais e na liberdade de crença, isolando-se da sociedade alemã. E ainda conta com a compreensão dos alemães liberais, que preferem ignorar sua Constituição a serem acusados de xenofobia. Necla Kelek, turca com passaporte alemão, revela as origens deste escândalo."

Isso é o que consta da quarta capa do livro Die Fremde Braut: Bericht aus dem Inneren des türkischen Lebens in Deutschland (A Noiva de fora: Relato do íntimo da vida turca na Alemanha), que causou grande controvérsia desde sua publicação, no ano passado e acabou de desencadear um protesto de 60 pesquisadores de imigração na Alemanha, divulgado pelo jornal Die Zeit.

Necla Kelek erhält Geschwister-Scholl-Preis
Socióloga alemã de origem turca, Necla KelekFoto: dpa - Bildfunk

A socióloga turco-alemã Necla Kelek denunciou crimes contra a mulher na comunidade turca na Alemanha e atribuiu isso ao islamismo. Seus oponentes a acusam de falta de método científico e sensacionalismo. O debate se torna ainda mais importante porque Kelek é constantemente consultada por órgãos públicos e pela mídia para opinar sobre a comunidade turca e o islamismo na Alemanha.

Casos isolados são fenômeno social?

Não são poucas as acusações do manifesto contra a socióloga, escrito pelo psicólogo Mark Terkessidis e pela pedagoga Yasemin Karakosoglu e assinado por dezenas de pesquisadores. Eles condenam a falta de cientificidade e seriedade do livro, descrevendo-o como uma mistura de relatos autobiográficos e amargas queixas contra o islamismo, apresentado pela autora como uma religião patriarcal e reacionária. Kelek é acusada de generalizar episódios isolados como fenômeno social. Mas isso não é tudo.

Türken in Deutschland Koranschule in Berlin
Mulheres turcas numa Escola do Alcorão, em BerlimFoto: AP

Em seu doutoramento sobre islamismo e cotidiano, Kelek chegou à conclusão de que esta religião funciona mais como meio de identificação para os jovens de origem turca do que como tradição religiosa não questionada. Mas em seu livro de apelo mais popular, recomendado como leitura imprescindível pelo ex-ministro do Interior Otto Schily, um social-democrata considerado conservador em questões de imigração, a autora chega a conclusões contrárias.

O veredicto dos pesquisadores é direto: "Evidentemente os próprios conhecimentos científicos foram escondidos de propósito, a fim de ela ter sucesso no mercado de livros e se promover como interlocutora legítima para formas de comportamento "turcas" ou "islâmicas".

Véu como sintoma de conservadorismo?

Necla Kelek, nascida em 1957 em Istambul e naturalizada alemã, justifica seu empreendimento como denúncia de tabus. Afinal, "a sociologia da migração procura há décadas se orientar pelo sucesso dos migrantes", declarou Kelek ao diário Süddeutsche Zeitung, acrescentando que os pesquisadores deste tema se sentem incomodados por problemas.

Para Kelek, os pesquisadores que a acusam de sensacionalismo não levantam as questões que ela levantou, "porque elas não cabem na sua concepção ideológica de multiculturalismo e porque eles não querem enxergar as violações dos direitos humanos".

Islamistendemonstration in Berlin
Mulheres muçulmanas em uma manifestação de fundamentalistas em Berlim, 2003Foto: AP

Quanto à discrepância entre suas conclusões acadêmicas e o livro publicado, Kelek afirma que a situação da comunidade islâmica alemã mudou nos últimos anos. "Quando eu tentava entrevistar jovens turcas usando véu islâmico em 1995, em Berlim, tinha que procurar bastante em Kreuzberg, até encontrar uma ou outra. Hoje, quem for ao Kottbusser Tor, em Kreuzberg, vai ter problemas em encontrar mulheres muçulmanas sem o véu", comentou a socióloga, numa autodefesa publicada do jornal Die Zeit, garantindo ter registrado uma mudança nítida na comunidade turco-muçulmana da Alemanha.

Legitimando a política de migração vigente

O livro lançado no início do ano passado na Alemanha dividiu os críticos. Sobretudo as resenhas escritas por mulheres o recomendaram como leitura importante. Mas foram poucos os que deixaram de reclamar da parcialidade da autora. Ela foi criticada pela imprensa por causa de sua "agressividade contra conterrâneos turcos e adeptos do islamismo" e acusada de atribuir a culpa do fracasso da integração aos muçulmanos.

Os pesquisadores assinantes do manifesto consideram preocupante o fato de "grande parte da administração, dos ministérios e da mídia preferir panfletos sensacionalistas a pesquisa científica diferenciada".

Fato é que Necla Kelek é consultora do Departamento Federal para Migração e Prisioneiros e dos órgãos de Justiça de Hamburgo. Além disso, foi consultada pelo governo do Estado de Baden-Württemberg na elaboração de uma entrevista especial para muçulmanos requerentes da cidadania alemã. Neste mesmo Estado, ela apóia um projeto de lei para criminalizar casamentos forçados.

Walk of Islam - Modenschau für islamische Frauen, Kopftuch
Desfile de moda muçulmana, em Berlim, 2004Foto: dpa

Políticos e estudiosos de imigração a acusam de se deixar instrumentalizar por uma política estatal de discriminação religiosa. Além disso, o fato de ela ser de origem turca e falar do próprio meio onde cresceu pode dar uma legitimação ainda maior a decisões políticas ou julgamentos jornalísticos baseados em seu parecer.