100 dias de governo
4 de fevereiro de 2010Cem dias após ter assumido o governo da Alemanha, a coalizão que reúne democrata-cristãos, social-cristãos e liberais recebe severas críticas da oposição, do empresariado, de organizações não governamentais e da opinião pública, além de ter perdido prestígio junto à população.
Além de algumas medidas polêmicas, o principal motivo de crítica à coalizão são as divergências internas entre democrata-cristãos e liberais quanto a importantes temas da política econômica e social.
A política fiscal é o principal foco de controvérsia dentro do governo. Os parceiros de coalizão pretendem tentar um novo consenso sobre as planejadas reduções de imposto a partir de maio, após a divulgação das estimativas fiscais.
Falta de realismo diante da crise financeira e orçamentária
Apesar do enorme déficit orçamentário alemão, a reforma fiscal impulsionada pelos liberais deverá aliviar o bolso dos contribuintes: além dos descontos de 4,8 bilhões de euros para famílias, vigentes desde janeiro, as reduções fiscais ainda pendentes somam 19,4 bilhões de euros.
Após longa resistência, o Partido Liberal Democrata aceitou adiar para 2012 a reforma prevista para 2011, contanto que as reduções planejadas sejam implementadas até 2013. No entanto, o desfalque que isso provocará nos cofres públicos ainda leva muitos conservadores, como o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, a se perguntar como tal medida poderá ser financiada.
A coalizão não explicou até agora como pretende viabilizar dispendiosos projetos de governo como a reforma fiscal e a reforma do sistema de saúde. No entanto, para atender à exigência constitucional de conter o endividamento público, uma coisa é certa: a partir de 2011 deverão ser economizados pelo menos 10 bilhões de euros por ano, o que faz os planos fiscais dos liberais parecerem pouco realistas.
O governo pretende divulgar um pacote de cortes orçamentários até meados do ano – ou seja, após as eleições para o governo do estado da Renânia do Norte-Vestfália, em maio. Os liberais já comunicaram que todos os subsídios estatais serão postos à prova, uma medida que promete gerar conflitos.
Medidas antissociais e pouca ambição ambiental
Outra decisão de grande risco político que foi protelada para depois das eleições renanas foi a definição da política energética, a ser apresentada somente no segundo semestre deste ano. Os parceiros de coalizão deverão decidir, então, sobre o futuro da energia nuclear na Alemanha e o peso dessa fonte na matriz energética do país.
No âmbito social, os liberais estão encontrando grande oposição – inclusive interna – aos seus planos de reforma do sistema de saúde. O acordo de coalizão prevê que os trabalhadores passem a pagar por seu convênio obrigatório uma taxa fixa, independente de seus rendimentos. Os social-cristãos, membros da coalizão, rejeitam terminantemente essa medida.
Alem disso, o governo ainda não definiu como pretende financiar o complemento a ser concedido a pessoas carentes para o pagamento do convênio de saúde e as futuras despesas com remédios, após o anunciado aumento de preços do seguro-saúde.
O mercado de trabalho também gera debates dentro da coalizão. A descentralização das agências estatais de emprego e a modificação do atual modelo unificado de ajuda social e seguro-desemprego serão grandes provas para a coalizão. Além disso, a renúncia dos liberais ao salário mínimo não é consensual dentro do governo.
Da "incapacidade de governar" ao "clientelismo"
A indefinição em tantos pontos político-econômicos fundamentais levou a oposição a acusar o governo de fracasso, caos, falta de meta e de clareza. Além disso, a controversa concessão de reduções fiscais a hoteleiros nutriu acusações de clientelismo e lobismo.
Entre as organizações não governamentais, o governo liberal-conservador também é alvo de drásticas denúncias. A planejada reforma do sistema de saúde causa preocupação entre os defensores de um Estado social, que também acusam o governo de ignorar sérios problemas como a pobreza infantil e da terceira idade. Além disso, a coalizão conservadora liberal também foi acusada de praticar uma política familiar inadequada, planejar medidas antissociais no sistema de saúde e ignorar o interesse de desempregados e da população carentes.
Quanto à política ambiental, a avaliação da nova aliança de governo na Alemanha também não foi das melhores. Associações de proteção ao meio ambiente sentem falta de maior empenho governamental pela biodiversidade, pela proteção do clima e pela agricultura orgânica.
Uma das principais reivindicações dos ambientalistas é uma reforma fiscal que permita o corte de pelo menos 42 milhões de euros de subsídios nocivos ao meio ambiente. Além disso, a rejeição da energia nuclear, o incentivo a fontes renováveis e um maior rigor no combate aos transgênicos continuam sendo exigências não satisfatoriamente cumpridas do ponto de vista das associações ambientais.
"Puberdade política" dos liberais
Em sua avaliação dos 100 primeiros dias da nova coalizão de governo, a opinião pública condenou sobretudo a atuação dos liberais. O diário Frankfurter Rundschau destacou que, ao se exporem à suspeita de clientelismo, os liberais perderam uma chance única de se estabelecer na política para além dos interesses de seu eleitorado. O Berliner Zeitung, por sua vez, considera os liberais "incapazes de governar": "Angela Merkel trouxe para o gabinete um bando caótico e imprevisível (...), passando a governar com pessoas que ainda estão na puberdade política".
Entre a população alemã, os liberais também perderam a popularidade desde as eleições. Segundo uma pesquisa de intenção de voto, a União Democrata Cristã (CDU) conta com 36% e os liberais com apenas 9% do eleitorado alemão. Social-democratas teriam 22%, verdes 16% e esquerdistas 11%. Isso significa que a votação atribuída pela enquete ao governo (45%) fica abaixo de uma hipotética aliança de centro-esquerda formada pelos partidos de oposição (49%).
Até o empresariado deu nota baixa para a coalizão liberal-conservadora. Numa escala de um a cinco – notas correspondentes a "muito bom" e "muito ruim", respectivamente – o governo recebeu a avaliação média de 3,2. Isso foi o que indicou uma enquete realizada com 700 grandes empresários alemães comissionada pelo diário econômico Handelsblatt.
SL/dpa/afp/efp/rtdt
Revisão: Carlos Albuquerque