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HistóriaÁfrica

Colonialismo nos livros didáticos: a história dos vencedores

Silja Fröhlich
11 de outubro de 2020

Passados 60 anos desde o fim oficial do domínio colonial, a visão europeia ainda prevalece em muitos livros de história adotados por escolas da África. Mas ativistas estão tentando mudar esse quadro.

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Deutsche Kolonialbeamte in Lome Togo
Oficiais alemães no Togo, quando país era uma colônia do Império Alemão. Foto: picture-alliance/akg-images

O terceiro rio mais longo da África é o Níger. Mas quem foi mesmo que o descobriu? A consulta a um livro de história nigeriano dá logo a resposta: o explorador escocês Mungo Park, em 1796.

Capa de livro alemão antigo, intitulado "Afrika", com guerreiro montado em camello
Antigos livros escolares alemães glorificavam a disputa europeia pelas terras africanasFoto: picture-alliance/CPA Media Co. Ltd

Foi também assim que Faith Odele aprendeu, em sua época de escola. "Mas aí comecei a me perguntar", conta a historiadora, que coleta narrativas do passado da Nigéria para crianças. "O rio não já existia, antes de Mungo Park chegar aqui? Nâo havia gente que pescava no rio? Por que os nigerianos ensinam aos seus filhos que o escocês descobriu o Níger?"

Há outros exemplos. Num livro didático de ciências sociais de Gana, pergunta-se aos escolares: "Quais são os efeitos positivos do colonialismo?" As respostas possíveis: "A) Criação de escolas; B) Introdução do idioma inglês; C) Interesse em produtos estrangeiros; D) Crescimento das cidades".

Passados 60 anos desde o fim oficial do domínio colonial na África, parece que o passado ainda dita as aulas de história de muitos países africanos. "Aprendi bem pouco sobre a perspectiva da minha gente", recorda a autora Siyanda Mohutsiwa, de Botswana. "O foco histórico se limita à independência, em 1966."

Para aprender mais sobre a história de seu país, ela tomou aulas complementares em setswana, a língua oficial. "Em setswana, colonialismo quer dizer 'mudança'. É uma visão bem higiênica do que ocorreu, é quase como se os professores quisessem evitar essa época. Como se, 20 anos atrás, alguém tivesse lhes dito: 'Vocês não podem ensinar isso.'"

Na aula, Mohutsiwa aprendeu sobre a competição pela África no fim do século 19 – por exemplo, do ponto de vista do imperador alemão e do Reino Unido. "Pois eles é que escreveram esses livros. Então eu ficava lá sentada e pensava: 'Tomara que a Alemanha consiga o que quer.'"

Esculturas de bronze de Benim expostas em museu
Tesouros da arte africana desmentem imagem de "povos primitivos"Foto: picture-alliance/dpa/D. Bockwoldt

Ignorância histórica convém a governos

A escritora crê que a raiz do problema está localizada bem mais atrás na história. "A educação, como a conhecemos, foi introduzida na Grã-Bretanha em meados do século 18, coincidindo com a expansão colonial. A população britânica tinha que ser convencida de que era uma boa ideia escravizar seres humanos." E as potências europeias também exportaram essa mentalidade para suas colônias.

Colonialismo: o outro lado da história em forma de arte

Isso é profundamente problemático, frisa Odele, pois a história do próprio país é de importância crítica para a formação da identidade: "Não somos compostos só pelo nosso presente, mas também por nosso passado. Se nos apresentam um quadro falso, as injustiças do passado vão perdurar."

Em seus anos de escola, nos anos 1990, a história sequer constava dos currículos. Hoje existe toda uma geração de nigerianos que não conhece a história do colonialismo, comenta a historiadora. E o responsável seria o governo, que ainda não introduziu novos currículos escolares.

"Nosso governo não quer que lutemos pelo progresso. Assim, do seu ponto de vista, o melhor para a nação é os cidadãos não conhecerem o passado, não saberem que havia revoltas e protestos durante a época colonial, para não poderem fazer exigências ao governo."

Contudo há iniciativas para colocar a visão africana no foco da história. Em 2019, o governo do Quênia anunciou a intenção de acatar a recomendação da Unesco, a organização para educação das Nações Unidas, de colocar a história do continente nos currículos escolares.

A meta do programa da Unesco é "reconstruir a história da África, livrá-la dos preconceitos raciais resultantes do comércio de escravos e da colonização, e fomentar uma perspectiva africana". Desde 1964, mais de 230 historiadores e especialistas trabalharam nesse sentido.

Na África do Sul, em 2019, a ministra da Educação, Angie Motshekga, exigiu a introdução obrigatória da história sul-africana e africa nos currículos até o 12º ano escolar – três anos a mais do que até então –, além de anunciar um novo plano de aulas obrigatório.

Mudanças ocorrem também em Botswana: "Por muito tempo só tínhamos professores brancos, e o que me ensinou história também era branco", conta a autora Siyanda Mohutsiwa. "O professor que hoje ensina o meu irmão é um botswanês. As coisas estão mudando, lentamente, já com esses professores formados localmente, e que vêm do país."