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Em cima do muro

11 de outubro de 2011

O Brasil busca há anos ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, mas se abstém em votações cruciais, como nos casos da Síria e da Líbia. Afinal, quais são as ambições da política externa brasileira?

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O Conselho de Segurança da ONU, em Nova YorkFoto: picture-alliance/dpa

A diplomacia brasileira intriga a comunidade internacional. O país ganha importância no cenário econômico global e se afirma como potência emergente disposta a reequilibrar as forças da política mundial. Nesse sentido, pleiteia há anos um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mas quando chega a hora de votar resoluções de primeira importância, como as sanções contra o regime sírio, no início de outubro, ou a intervenção militar na Líbia, em março, a resposta é a mesma: abstenção.

Por trás da aparente falta de decisão, no entanto, está uma posição muito clara, analisa o sociólogo Thomas Fatheuer, ex-diretor da fundação alemã Heinrich Böll no Rio de Janeiro. "A mensagem do Brasil é: 'nós não temos nenhum inimigo'". A estratégia da diplomacia brasileira, segundo ele, é assumir a posição de intermediador para encontrar soluções negociadas e, com isso, também proteger-se de todos os lados.

"O Brasil é muito cauteloso quando se trata de condenar outros países, principalmente do [hemisfério] sul. Os brasileiros sempre acusaram os Estados Unidos de terem uma política externa ambígua, por condenar alguns países e outros não", argumenta Fatheuer.

O zelo vale especialmente para o mundo árabe, onde a diplomacia brasileira cuida para não construir uma imagem de inimigo. "O Brasil se mostra conciliador e com isso também envia aos povos árabes um sinal de que tem uma posição independente e não quer ficar à sombra dos Estados Unidos", diz Fatheuer.

As boas relações diplomáticas garantem também bons negócios: em 2010 as exportações brasileiras para o Oriente Médio cresceram quase 40%, somando mais de 10,5 bilhões de dólares, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

Dilma Rousseff Oktober 2011 Brüssel
Com Dilma, o Brasil aprovou investigação sobre direitos humanos no IrãFoto: picture-alliance/dpa

Aliada à política de cultivo de amizades está a tradição brasileira de rejeitar instrumentos de intervenção, baseada no próprio passado do país. "O histórico de intervenções militares na América Latina é muito negativo, então o Brasil se recusa a ir por esse caminho por acreditar que isso vá agravar ainda mais os conflitos", diz Amâncio Jorge de Oliveira, presidente da comissão de pesquisa do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).

Mais pelos direitos humanos

O papel de mediador moderado desaponta, porém, aqueles que esperavam uma postura mais ativa em relação à defesa dos direitos humanos durante o governo da presidente Dilma Rousseff. Para Oliveira, a abstenção do Brasil no caso da Síria foi uma reação errada e tardia.

"Foi um erro estratégico do Brasil nesse momento. Não só pela questão de se posicionar a favor do respeito aos direitos humanos, mas também por uma questão tática, de mostrar ao mundo que, em situações como essa, o Brasil consegue tomar decisões rápidas e na direção certa", avalia o pesquisador.

As expectativas de que o governo Dilma Rousseff atuaria de forma mais firme na defesa dos direitos humanos aumentaram quando, em março, o Brasil votou a favor da investigação da situação dos direitos humanos no Irã. A decisão marcou uma ruptura com a política externa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, no qual o Brasil se abstivera, por exemplo, de votar uma proposta que condenava violações de direitos humanos no Irã, poucos meses antes.

Mas com as novas abstenções nos casos da Líbia e da Síria, a diplomacia brasileira deu sinais de voltar à linha branda seguida durante a era Lula. Na perspectiva do governo, entretanto, abstenção não significa indecisão. Para o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Tovar Nunes, ela significa uma posição clara de descontentamento com a proposta apresentada, mas, diferentemente do voto contra, permite que o tema continue em discussão.

"Nós entendemos que, em relação à Síria, por se tratar de um país estratégico, onde a escalada da violência ou a instabilidade podem se alastrar para outros países da região, a cautela tem que ser maior. Nosso desejo era ter um pouco mais de tempo no Conselho de Segurança para extrair uma manifestação consensual", explica Nunes.

O Brasil tinha reservas especialmente em relação ao artigo 41 da resolução sobre a Síria, que previa a imposição de medidas não militares contra o país árabe, como sanções econômicas e diplomáticas. O artigo acabou levando ao veto da resolução por parte de China e Rússia no dia 4 de outubro.

Aliados do Sul

A tendência do Brasil de votar alinhado com seus parceiros no Brics ou no Ibas (Rússia, Índia, China e África do Sul) no âmbito das Nações Unidas leva a crer que o país busca aproximação com seus parceiros do Sul, ao mesmo tempo em que se afasta dos Estados Unidos e da União Europeia.

O governo brasileiro reconhece que busca parceiros junto à força alternativa representada pelos países emergentes, mas nega haver qualquer intenção de se afastar das potências tradicionais. "Nós temos, sim, procurado nos coordenar com Índia e África do Sul, primeiro por uma razão muito objetiva: são três democracias multiétnicas de três continentes diferentes e que não são membros permanentes do Conselho de Segurança. Então essas credenciais levam esses parceiros a procurar fórmulas consensuais que ofereçam soluções em situações de conflito", diz Nunes.

O porta-voz destaca o peso dos parceiros europeus nos setores comercial e de defesa, como, por exemplo, a França, país com o qual o Brasil intensificou a cooperação no setor de defesa a partir de 2009. "Você não faz isso com um país de quem queira se afastar", ponderou Nunes.

Líbia: sem arrependimentos

Outra controversa abstenção do Brasil no Conselho de Segurança da ONU foi na votação da Resolução 1973 sobre a intervenção militar na Líbia, em março. O Brasil se recusou a votar, conforme justificativa oficial, por entender que a força só deveria ser empregada em último caso. O país não se opôs à ação da Otan, mas "lavou as mãos".

Hoje, mesmo com o ditador Muammar Kadafi deposto e o Conselho Nacional de Transição rebelde reconhecido em quase todo o mundo como autoridade legítima na Líbia, o Brasil não se arrepende da decisão. Segundo o embaixador, se houvesse nova votação hoje, o país se absteria novamente.

"A resolução 1973 não era para promover a queda de nenhum regime. O objetivo era a proteção de civis, e nós não estamos seguros de que a força tenha sido utilizada somente para isso. Acreditamos que o uso da força não é recomendável quando extrapola o mandato do Conselho de Segurança. Além disso, o uso da força para proteção de civis muitas vezes redunda em morte de civis. Os casos do Afeganistão e do Iraque são bastante eloquentes a esse respeito", diz Nunes.

Por uma vaga permanente

O Brasil já foi eleito dez vezes para mandatos de dois anos como membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e desde o governo Fernando Henrique Cardoso pleiteia assento permanente no fórum. Os membros permanentes são Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China, que têm direito de veto em qualquer medida votada pelo órgão.

Críticos no meio diplomático chegaram a sugerir que as abstenções brasileiras em votações para condenar violação de direitos humanos no Irã, Mianmar, Cuba, Líbia e, mais recentemente, Síria poderiam prejudicar as ambições do país.

Para Fatheuer, porém, a entrada do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança não pode ser uma "recompensa por bom comportamento" aos olhos de alguns países. "É preciso observar que houve um reequilíbrio nas forças internacionais. Os países do Sul, especialmente os países do Brics, têm hoje simplesmente uma grande influência na política internacional e isso precisa se refletir no Conselho de Segurança."

O fato de o Brasil ter bom relacionamento com Estados Unidos e União Europeia, além de não ter inimigos em nenhuma parte do mundo, poderia dar ao país o papel low profile que ele tanto busca no cenário internacional: o de mediador para soluções negociadas em situações de conflito.

Autora: Francis França
Revisão: Alexandre Schossler