Comida de conveniência: novo hábito alimentar
7 de abril de 2004Molho de tomate à napolitana em vidro, mistura para suflê de brócolis em pacotinho, batatas descascadas e cozidas em lata, croissants pré-assados congelados, cozidos vários e misturas sem fim. Quem entra pela primeira vez em um supermercado alemão fica admirado com a variedade de produtos industrializados. E quem chega na prateleira dos temperos, arregala os olhos: mistura pronta de tempero para frango assado, peixe, sopa, comida chinesa.
Depois da fast food, a convenience food
Foram-se os tempos em que as pessoas conheciam os diversos ingredientes e sabiam que temperos e ervas ficam bem em que pratos. Depois que a fast food tomou conta do mundo, agora é a vez da convenience food (comida de conveniência, isto é, cômoda). Incipiente no Brasil, onde o consumo de alimentos frescos é grande, ela se alastra na Alemanha e nos países industrializados, garantindo taxas de crescimento invejáveis às indústrias do setor.
A vida moderna está mudando os hábitos alimentares. Nas grandes cidades, é comum ver gente jovem comendo na rua um hamburger, um döner kebab (churrasquinho grego) ou batatas fritas com maionese ou ketchup. Um número cada vez menor de alemães cozinham como se fazia décadas atrás e muitos nem sequer empregam mais os alimentos frescos básicos.
Menos batatas, mais congelados
O consumo de batatas, por exemplo, caiu em mais de 50% nos últimos 30 anos. Em compensação, o de congelados aumentou 83% nos últimos dez anos. Diante dessas tendências, um grupo de pesquisadores alemães está estudando como garantir uma alimentação boa, nutritiva e ecológica no futuro.
Um primeiro levantamento sobre os anos 90 revelou que, apesar da forte diminuição dos gastos com a alimentação, os alemães gastaram 30% a mais comendo fora de casa. O setor de fast food teve um aumento de 200%.
A "comida de conveniência" ganha terreno e vai desde salada lavada, cortada e empacotada juntamente com o tempero, passando por baguetes congeladas para esquentar no forno até sobremesas como pudim com calda, creme em potinho e sopas de pacote ou em lata.
Frutas o ano todo
Ao mesmo tempo, diminui tanto o conhecimento sobre os alimentos, como o tempo empregado para cozinhar, constataram os pesquisadores. "As pessoas já não sabem quais são as verduras e frutas da estação", diz a chefe do projeto, Ulrike Eberle.
Quando a dependência da natureza era maior, todo mundo sabia isso. Hoje, porém, as importações enchem os supermercados o ano todo com bananas da América Central, abacaxis da África, mangas do Brasil, abacates de Israel, tomates do Marrocos e da Espanha, ou os pepinos cultivados independentemente da época, nas estufas da vizinha Holanda.
Micro-ondas e aromas
"O conhecimento sobre as origens do abastecimento cotidiano estão acabando", confirma Ulrich Oltersdorf, diretor do Instituto de Economia e Sociologia da Alimentação, em Karlsruhe. "Tem muita gente hoje que não sabe fazer nada na cozinha além de colocar algo no micro-ondas". E quem já viu como se faz a farinha do pão ou o leite da embalagem tetra pack?
O paladar das crianças já está acostumado aos intensos aromas artificiais da indústria alimentícia, adverte a Academia de Proteção à Natureza e ao Meio Ambiente, de Baden-Württemberg. Elas acabam achando sem graça o sabor natural.
Cozinhar, o novo luxo
No entanto, nem tudo é decadência dos costumes alimentares. Não apenas os hábitos, "os conhecimentos sobre nutrição também passam por um processo de mudança", diz a pesquisadora Ulrike Eberle. Hoje é comum que as pessoas saibam muito mais sobre as propriedades dos alimentos e conheçam a tabela das calorias.
Também é certo que aumenta o consumo dos alimentos considerados sadios - frutas, verduras, leite, cereais e seus derivados. Da mesma forma, estableceu-se um novo mercado para produtos orgânicos, comercializados em novas redes de lojas e supermercados.
E se não se cozinha mais no dia-a-dia, os gourmets e seus aprendizes passaram horas no fogão, no fim de semana. É como se cozinhar tivesse se tornado um luxo. Livros de culinária trazem receitas de todo o mundo e,na TV, canal que se preze tem diariamente um cozinheiro preprando delícias para todos os gostos.
Vida moderna e projeção de desejos
"Muitos de nossos desejos nós projetamos na comida", afirma Uwe Spiekerman, especialista em sociologia da alimentação. Para ele, os alemães que fazem questão de ter uma enorme cozinha luxuosa, com os mais modernos aparelhos, querem apenas refletir seu desejo de ter um alto nível de vida.
Não importa que essas cozinhas só sejam usadas de vez em quando para celebrar um dos novos rituais culinários no fim de semana. O estresse da vida moderna, a falta de tempo, que se estende cada vez mais às famílias, fará com que o setor da "comida de conveniência" continue crescendo.
Segundo o sociólogo, muitas vezes é justamente o desagrado com a vida cada vez mais rápida, complicada e cheia de novas técnicas que está por trás das críticas de uma alienação cada vez maior da comida originária.