Alemanha contribuiu para guerra no Iraque?
22 de abril de 2008No início de abril, a revista Der Spiegel publicou uma série de artigos revelando que uma fonte alemã havia fornecido informações errôneas sobre supostas unidades móveis de produção de armas químicas no Iraque regido por Saddam Hussein.
A informação foi utilizada pelo então secretário norte-americano de Estado Colin Powell, no notório discurso à ONU em 2003, onde expunha os motivos da administração Bush para a guerra contra o Iraque. A fonte foi um refugiado iraquiano na Alemanha, que alegou falsamente ser engenheiro químico e posteriormente recebeu o irônico cognome de "Curveball" (Bola Curva).
No entanto, o Serviço Federal de Informações (BND) da Alemanha passou os dados a Washington. Há, portanto, indicações de que, enquanto publicamente se opunha à guerra, por trás dos bastidores a Alemanha aplacava os ânimos dos EUA, fornecendo-lhe um falso pretexto para o início das hostilidades.
O Grêmio Parlamentar de Controle encarregado de supervisionar as atividades do BND se reúne nesta quarta-feira (23/04) para estudar a questão. A DW-WORLD.DE entrevistou o vice-presidente da comissão, o liberal-democrata Max Stadler, para quem o caminho até as respostas é longo, e mais longo ainda até as ações.
DW-WORLD.DE: Quem o Grêmio Parlamentar de Controle pretende interrogar?
Max Stadler: Ninguém. Esta comissão funciona da seguinte forma: o governo relata todos os aspectos relevantes ao Serviço Federal de Informações. O caso Curveball atraiu muita atenção na imprensa, portanto isto será parte do relatório, é claro. Não teremos depoimentos de testemunhas. Este direito é reservado a um comitê especial de investigações, não ao grêmio parlamentar.
As notícias do Spiegel dão a impressão de que o BND forneceu a Washington informações que suspeitava serem pouco confiáveis. Esta é também a sua impressão?
Na minha opinião, esta é justamente a razão pela qual o caso precisa ser examinado pelo Grêmio Parlamentar. A imprensa realmente passou esta impressão. Por outro lado, os relatórios também revelam que o BND, sob o governo anterior [verde-social-democrata], enviou uma carta esclarecendo que as informações de Curveball não haviam sido conferidas ou confirmadas por uma segunda fonte. Até onde a compreendo, a carta alertava que [o governo alemão] não podia garantir a credibilidade da informação. O grêmio de controle examinará este ponto mais uma vez. Mas o que o senhor disse sobre a impressão geral conferida pelos relatos da mídia confere.
Lawrence Wilkerson, chefe de gabinete do ex-secretário de Estado Colin Powell, acusou o BND de bloquear as tentativas da CIA de interrogar Curveball, sendo, portanto, em parte responsável pela guerra do Iraque. Trata-se de uma acusação bastante séria, não é?
Não sei exatamente como as coisas se desenrolaram. Terei que esperar pela audiência [na quarta-feira (23/04)] antes de poder dizer qualquer coisa a respeito. Mas, falando de maneira geral, eu diria que a guerra do Iraque já se anunciava há um bom tempo. Boa parte da opinião nos Estados Unidos já estava formada antes do testemunho de Curveball. Pessoalmente, não acredito que um relatório secreto da Alemanha haja sido o fator decisivo para o governo estadunidense naquela época.
A Alemanha oficialmente se recusou a compor a coalizão encabeçada pelos EUA no Iraque. Porém, continuam vindo à tona relatórios mostrando que o país partilhou informações secretas com os EUA, e portanto ajudou-os no conflito. Isto não equivale a entrar na guerra pela porta dos fundos?
É precisamente o que o grêmio que supervisiona as atividades do BND está examinando. A questão emergiu dois anos atrás, quando se revelou que dois funcionários do Serviço Federal de Informações estiveram ativos em Bagdá. O governo [alemão] afirmou que eles agiam em interesse nacional. Porém acrescentou que os funcionários forneceram informações a seu quartel-general central, que foram depois repassadas aos norte-americanos. O governo afirma que isto é perfeitamente normal.
Minha opinião pessoal é isso representa, sim, uma intervenção – mesmo que apenas marginal – na guerra do Iraque, e certamente contrasta com o que o anterior governo verde-social-democrata declarava em público na época. E justamente a questão "o governo dizia uma coisa, enquanto fazia outra" será tratada pelo grêmio de controle. A participação da Alemanha pode ter sido modesta, limitada a repassar informações. Mas considerando-se como, na época, a coligação governamental ostentou sua oposição contrária à guerra em sua campanha eleitoral, as duas coisas realmente não combinam.
O que o Grêmio Parlamentar pode fazer, caso conclua que o BND ou o governo agiram indevidamente?
Em princípio, a comissão se compromete à confidencialidade. Mesmo em caso de conduta imprópria, não temos permissão para fazer declarações públicas. Mas existe uma exceção. Caso dois terços do comitê considerem necessário, podemos publicar uma avaliação pública. Nós, membros dos partidos de oposição, no entanto, não estamos tão satisfeitos com esta regra. Achamos que também devemos ter a oportunidade de divulgar avaliações contrárias. Mas, após a reunião, veremos se temos a maioria necessária para fazer uma tal declaração pública.
Então, a função básica da comissão de supervisão é fazer recomendações ao governo.
Sim, nossas recomendações vão direto para o governo e normalmente não chegam a público. Porém, ultimamente o comitê tem cada vez mais feito uso da opção dos dois terços. E este bem poderá ser o caso, novamente.
De um modo geral, os serviços de informações – e sobretudo os estadunidenses – não foram muito eficientes ao reunir informação de qualidade sobre o Iraque. Como se pode melhorar esta situação, para que no futuro não iniciemos uma guerra por causa de armas de destruição em massa não-existentes?
Acho que está mais do que na hora de os políticos reconhecerem que os serviços secretos têm uma função servil. O que se espera destes é que forneçam informações para facilitar a tomada de decisões. Porém, afinal de contas, são os políticos a decidir. E talvez eles devam tratar as análises que recebem dos serviços de inteligência com um pouco mais de ceticismo, em vez de utilizá-las como desculpa, dizendo: "Não tínhamos outra opção, com base nas informações a nosso dispor". Em última análise, os políticos estão sempre livres para tomar suas próprias decisões.