Como a imprensa lucra com líderes como Trump e Bolsonaro
10 de fevereiro de 2020A peça publicitária do diário americano The New York Times dura apenas 31 segundos: "A verdade é dura. Dura de achar, dura de saber. A verdade é mais importante agora do que nunca."
O vídeo de fevereiro de 2017 é um exemplo para a autopublicidade de sucesso de veículos da imprensa numa era de notícias falsas e de acusações de mentirosa. Mostra o jornalismo como instrumento de resistência política e garantidor da liberdade de opinião e de expressão.
Desde a eleição do presidente americano Donald Trump, em 8 de novembro de 2016, jornais como New York Times e Washington Post, mas também o britânico The Guardian e a revista The Economist, vivem uma espécie de Renascimento midiático. No Brasil, ventos favoráveis sopram para veículos críticos ao governo desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, há pouco mais de um ano.
O efeito Trump sobre o setor jornalístico parece ser duradouro. O New York Times registrou o maior "dividendo democrático", por assim dizer. Desde novembro de 2016 e novembro de 2018, o número de assinaturas digitais subiu de 1,5 milhão para 2,5 milhões. Atualmente, o jornal tem quase 4 milhões de assinantes.
"Em 2019, o New York Times computou mais de um milhão de novas assinaturas digitais", diz a publicação alemã especializada em marketing W&V. "É o maior aumento anual desde a implementação das assinaturas digitais pagas, em 2011, e o mais expressivo crescimento de assinaturas dentro de um ano desde a fundação da New York Times Company", acrescenta o texto.
No Brasil, também houve um chamado "efeito Bolsonaro". Desde que o presidente declarou que o governo não publicaria mais propagandas e anúncios no maior diário do país, a Folha de S. Paulo, o número de assinaturas digitais da publicação disparou.
"Jornalismo profissional é antídoto para notícia falsa e intolerância", diz o título dos princípios editoriais do jornal, que publica uma versão em inglês desde 2011. De acordo com o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), o número de assinaturas digitais pagas da Folha de S. Paulo subiu de 207 mil em dezembro de 2018 para 241 mil em outubro de 2019.
Durante a Bienal Internacional do Livro no Rio de Janeiro, em setembro do ano passado, a Folha deu um exemplo do que entende por tolerância, estampando na capa o desenho dois homens se beijando, parte da história em quadrinhos Vingadores – a Cruzada das Crianças. A decisão repercutiu internacionalmente porque a HQ havia sido proibida, pouco tempo antes, pelo prefeito do Rio, o evangélico Marcelo Crivella – sob a justificativa de conter "conteúdo sexual para menores".
No Reino Unido, o primeiro-ministro Boris Johnson ameaçou a BBC de eliminar a taxa compulsória para TV e rádio no país, cobrada de todos os domicílios e principal fonte de recursos para a emissora pública internacional. Neste cenário, o The Guardian vem ganhando força com sua abordagem crítica. A publicação não apenas aumentou o número de seus assinantes, mas também consegue, com sucesso, angariar doações para a manutenção de um jornalismo independente.
Pouco antes das eleições parlamentares antecipadas em dezembro de 2019 no Reino Unido, o Guardian iniciou uma campanha com o slogan "Mudar é possível. A esperança é poder". No vídeo, uma borboleta dentro de uma sala voa contra a janela, até que, em certo momento, o vidro quebra e o inseto consegue se libertar. Desde então, mais de um milhão de doadores faz parte do círculo de apoiadores do jornal cronicamente endividado.
O Washington Post é menos dramático. A campanha "A democracia morre na escuridão", anunciada já em 2017 pelo fundador da empresa Amazon e dono do jornal, Jeff Bezos, também conquistou muitos novos leitores. Em 2019, a publicação tinha 746 mil assinantes da versão impressa e 1,7 milhões de assinaturas digitais.
"Acho que muitos de nós pensam que a democracia morre na escuridão e que certas instituições desempenham papel muito importante para iluminar essa escuridão", disse Bezos, na época do lançamento da campanha.
Jogo perigoso
Há um paradoxo: o temor da expansão do extremismo de direita, do populismo e do autoritarismo leva a disputas políticas mais duras e uma demanda mais acentuada por coberturas e conteúdos jornalísticos. Donald Trump, Boris Johnson e Jair Bolsonaro trazem novos leitores aos jornais.
Outra consequência desse efeito é que os veículos tradicionais acabam conseguindo apoio para a transformação digital, e um dos resultados dessa transformação não parece ser reversível: a retração mundial de jornais diários impressos.
Enquanto isso, a guerra midiática entre notícias falsas e a checagem de fatos continua com uma severidade desenfreada. E os dois lados parecem se alavancar mutuamente. Em entrevista recente à emissora de rádio alemã Deutschlandfunk, o historiador Bernd Greiner apontou para uma situação ganha-ganha perigosa: por lucrarem com o valor de entretenimento de políticos populistas, os meios de comunicação aceitam qualquer provocação e dão atenção adicional a essas personalidades.
"Pelas suas provocações, políticos como Boris Johnson, Donald Trump, Benjamin Netanyahu ou Matteo Salvini são fontes constantes de novas notícias", explicou Greiner. "A imprensa não deveria responder a todas as provocações", concluiu.
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