Entrevista
19 de setembro de 2008Tanto o livro quando o recém-lançado filme (dirigido por Uli Edel e indicado para representar a Alemanha na corrida ao Oscar) sobre o grupo terrorista RAF (Fração do Exército Vermelho) vem despertando polêmica na Alemanha. Stefan Aust, ex-editor do semanário Der Spiegel e um dos mais influentes jornalistas do país, fala em entrevista à Deutsche Welle sobre "a proximidade de seu livro da realidade" da RAF.
Deutsche Welle: Na posição de autor do livro no qual o filme se baseia, o que você achou do resultado na tela do cinema?
Stefan Aust: Na verdade, acho o filme realmente ótimo. Ele mantém a proximidade do livro e o livro se manteve tão próximo da realidade o quanto possível. Acho que o mesmo princípio que me inspirou ao escrever o livro inspirou também os cineastas a rodarem o filme. É um filme de ficção, mas com elementos de documentário, como se você estivesse estado todo o tempo, durante uma década, com esse grupo, com essas pessoas, com os terroristas.
O que é ficção e o que é realidade no filme?
Tudo é tão próximo da realidade o quanto é possível num filme de ficção. Muitos diálogos são mais ou menos autênticos, de acordo com a minha pesquisa. Algumas partes correspondem exatamente à realidade, como por exemplo alguns momentos no tribunal de Stammheim, quando foram julgados.
Tudo o que foi dito no tribunal foi gravado e transcrito e usamos isso no roteiro. Quando você tem um diálogo, por exemplo, dentro da prisão – a briga entre as duas mulheres, Gudrun Ensslin e Ulrike Meinhof – trata-se de uma reconstrução a partir das cartas que elas enviaram uma para a outra. De forma que isso está muito próximo da realidade.
Em relação ao livro e talvez à sua própria pesquisa pessoal: o que despertou seu interesse por esse assunto?
Bem, conheci algumas das pessoas que viveram escondidas quando eram membros da Fração do Exército Vermelho (RAF) porque trabalhava na revista da escola num pequeno povoado no norte da Alemanha junto com o irmão mais novo do editor da revista radical de esquerda konkret, Klaus Rainer Roehl. Ele era o marido de Ulrike Meinhof. Ou seja, conheço essas pessoas desde que ainda freqüentava a escola.
Naquela época, trabalhei três anos para a revista, durante o auge do movimento estudantil e dos movimentos radicais. De forma que conheci Ulrike Meinhof muito bem, também seu advogado Horst Mahler. Ele acabou se tornando um membro da Fração do Exército Vermelho. Quando tudo começou em 1970, eu estava trabalhando para uma televisão pública na Alemanha e tinha que realizar vários documentários, de longa e curta duração, além de reportagens sobre o que acontecia. Assim sabia de muita coisa e muito bem.
No início dos anos 1980, resolvi que queria saber tudo. Pedi demissão do meu emprego e, de certa forma, passei aproximadamente três anos pesquisando e escrevendo o livro.
Você disse que conhecia essas pessoas. Você os considerava amigos?
Isso seria um pouco demais. Eu era um jornalista muito jovem naquela época. Comecei quando tinha 20 ou 21 anos e eles eram um pouco mais velhos. Eu os conhecia, mantinha até certa proximidade deles, mas não éramos amigos. Sempre fui um pouco mais novo e não tão radical quanto eles.
O que você acredita que os movia? Qual era o objetivo-mor que eles queriam alcançar?
Acho que alguns deles queriam realmente mudar o mundo. Eles se sentiam solidários com os pobres, desempregados e explorados de todo o mundo, então lutavam contra o imperialismo. Isso é o que pensavam. Lutavam contra a polícia, contra o Estado e esqueciam-se de que não estavam colocando bombas em "lugares mortos", mas onde viviam seres humanos. Eles se tornaram muito cruéis nas intenções de lutar contra a crueldade do mundo.
Você acredita que eles, em algum momento, perderam a visão dos objetivos pelos quais tinham começado a lutar?
Eles principalmente perderam a visão da realidade. De súbito, quando tiveram que viver incógnitos, pensaram e sentiram que viviam num estado policial, num estado policial fascista. E quando você vive num estado policial fascista, você se dispõe a fazer qualquer coisa. Eles tiveram que mudar a realidade e sua visão da realidade a fim de terem condições de fazer todas aquelas coisas terríveis.
Mesmo 30 anos depois, continua a haver certa fascinação em relação à RAF. O assunto ainda desencadeia uma série de controvérsias, porque eles começaram com tais visões idealistas. O que você acha que torna a RAF tão intrigante para as pessoas hoje?
Acho que é por causa da grande crise pela qual a Alemanha passou no pós-guerra. Foi um ataque ao Estado, ao governo, às autoridades e aos representantes do governo. Eles mataram gente importante. Foi realmente uma ameaça à estabilidade deste país. Na verdade, foi a única ameaça interna depois da guerra.
No Outono Alemão, em 1977, há 31 anos, passamos realmente por um momento de crise. Na memória coletiva dos alemães, é mais ou menos como o 11 de setembro para os norte-americanos.
Qual você acredita ser a opinião da maioria das pessoas hoje sobre a RAF? A de que eles eram terroristas ou algum tipo de heróis revolucionários?
Os dois. Tentamos, nesse filme, mostrar o que eles realmente eram. Era um grupo de pessoas com certa idade, de certa classe social, numa certa década - a década da revolução em todo o mundo – e eles se sentiam revolucionários.
No fim, era um grupo de pessoas pensando em matar outras e depois, no fim, se suicidando. De forma que acredito que a maioria das pessoas os vêem mais como terroristas do que como heróis revolucionários, o que costumava acontecer nos anos 1970.
É essa a mensagem que você quer passar para quem vai ver o filme?
Sim, para trazerem o grupo de volta para a terra. Fazer deles humanos e mostrar o que realmente fizeram. Porque terrorismo é terrorismo e as pessoas às vezes esquecem-se disso.