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Conflitos forçam elites a abandonar Afeganistão

Florian Weigand (av)28 de abril de 2015

Situação econômica e ameaça extremista continuam a levar milhares de afegãos a deixar o país. Mas enquanto as classes mais abastadas vão para a Europa, as mais pobres acabam ficando no Irã ou no Paquistão.

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Estudantes afegãs em BonnFoto: picture-alliance/dpa/F. Heyder

Durante mais de 30 anos, a maioria dos refugiados em todo o mundo era proveniente do Afeganistão. Somente em 2014 o país foi ultrapassado pela Síria nessa posição, de acordo com estatísticas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).

Uma longa série de guerras, regimes despóticos e atos de terrorismo forçou cerca de 6 milhões de afegãos a deixarem seu país, sobretudo na década de 90. Eles fugiram da invasão soviética em 1979, do regime comunista e da consequente guerra civil, assim como do domínio dos talibãs.

Nem mesmo as tropas internacionais de paz fizeram cessar o fluxo de refugiados depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, quando seu papel era finalmente estabilizar o país. Também os soldados estrangeiros se mostraram incapazes de conter o terror.

Apesar dos fortemente subvencionados programas de repatriação das Nações Unidas, 2,7 milhões de afegãos ainda vivem no exterior. Isso, sem contar os que apenas conseguiram escapar de um dos inúmeros focos de crises do Afeganistão para a cidade grande mais próxima. O Acnur calcula em 683 mil o total de migrantes internos.

Difícil salto para o Ocidente

Mais de 90% dos refugiados vão parar nos abrigos no vizinho do leste, o Paquistão, ou se empregam como guardadores de estacionamento, jardineiros ou caseiros a oeste, no Irã, geralmente como ilegais e no medo constante de serem deportados.

Apenas uma pequena parcela dos refugiados dispõe dos recursos financeiros, conexões pessoais e oportunidade necessários a um salto para a Europa ou os Estados Unidos. Os que o conseguem geralmente são oriundos das elites do país, dispondo de boa formação: são empregados locais de organizações estrangeiras, acadêmicos, profissionais de mídia ou funcionários dos diversos escalões do governo.

Dois anos atrás, Sharmila Hashimi já havia decidido dar as costas ao seu país. Tanto a porta-voz do governador da província de Herat, no oeste afegão, quanto seu marido, com quem dirigia um centro de treinamento para jornalistas, eram uma pedra no sapato dos talibãs. Ambos se sentiam ameaçados.

"Então resolvemos fechar o centro e deixar o país", comentou Sharmila após sua chegada a Berlim. Eles fizeram contatos com traficantes de pessoas e se puseram a caminho da Alemanha "Não tínhamos ideia de onde a coisa ia dar, mas acabamos chegando, de algum jeito."

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Refugiados do Afeganistão são deportados do IrãFoto: picture-alliance/Ton Koene

Colaboração fatídica

Talvez o grupo mais conhecido, entre os que querem deixar o Afeganistão, seja o dos antigos tradutores-intérpretes e outros funcionários civis das tropas estrangeiras que vão se retirando do país. Aos olhos do Talibã, os prestadores de serviços das Forças Armadas alemãs, por exemplo, são traidores. Apesar disso, a Bundeswehr indeferiu cerca de 60% dos requerimentos de asilo apresentados até abril de 2014 por seus ex-colaboradores.

Um deles é o jovem Alilullah, de Kunduz. "Uma noite, eu estava em casa com a minha família, e recebi um telefonema de um número não identificado. Um homem disse, no idioma pachto: 'Você trabalha como tradutor e espião para os infiéis, para os estrangeiros que lutam contra nós. Isso é um crime. Você vai ter agora a chance de cooperar conosco e lutar contra os alemães e o governo'", ameaçou o desconhecido.

Alilullah se recusou, mesmo tendo que temer pela própria vida. Sua família se preocupava com ele, que passou a quase não sair mais de casa. Ele escapou incólume, porém seu amigo e colega Wafa teve menos sorte. O afegão de 25 anos, que também trabalhava para os alemães, foi encontrado estrangulado no porta-malas do próprio carro em novembro de 2013.

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Intérprete auxilia Forças Armadas alemãs, próximo a KunduzFoto: picture-alliance/dpa

Automóvel sem motorista

Mesmo quem não está sujeito a ameaças diretas tem bons motivos para querer abandonar o Afeganistão. No ano passado, os atentados e consequentes operações militares fizeram o maior número de vítimas desde a introdução de estatísticas oficiais, em 2009.

Segundo a ONU, em 2014 houve um acréscimo de 22% das vítimas civis dos conflitos no Afeganistão, totalizando quase 4 mil. Em meados de abril de 2015 a organização jihadista "Estado Islâmico" (EI) reivindicou pela primeira vez um atentado suicida no leste do país. Uma semana depois, os talibãs anunciavam uma nova investida contra o mal equipado Exército afegão.

Cabul é sede de um governo fraco, dividido em duas facções que se combatem e que, um ano depois de eleito, ainda não conseguiu ocupar o Ministério da Defesa. De acordo com dados do Banco Mundial – ex-empregador do novo presidente, Mohammad Ashraf Ghani –, 36% da população vive abaixo da linha da pobreza. O crescimento econômico caiu de cerca de 9% entre 2003 e 2012 para apenas 2% em 2014. A mídia nacional aponta que mais de um terço dos afegãos estão desempregados.

Diante de tal situação, mesmo para afegãos bem formados profissionalmente as perspectivas são parcas. Com frequência, ter boas conexões e pertencer à etnia "certa" são mais importantes do que qualquer qualificação.

Entretanto muitos refugiados na Europa estão cientes do outro lado da moeda: pois cada intelectual que vai, faz falta na construção de um Afeganistão moderno. "Estamos num dilema", admite Pedram Torkam, que pediu asilo na Suécia. "Pode-se comparar a perda de força acadêmica e cultural num país a um automóvel que não tem motorista."