Corte não reconhece criança roubada como vítima do nazismo
6 de julho de 2018Um homem de 82 anos de origem polonesa que foi sequestrado durante a infância pela SS, a tropa de elite do regime nazista, perdeu um processo contra o Estado alemão.
No veredicto, anunciado no início desta semana, um tribunal de Colônia decidiu que o engenheiro aposentado Herman Lüdeking não merece compensação financeira como vítima do regime nazista.
Quando tinha seis anos, em 1942, Lüdeking se tornou uma das centenas de milhares de crianças que foram roubadas pelos nazistas em territórios ocupados, como o leste da Europa e a Noruega. As crianças eram escolhidas por características físicas – como cabelo louro e olhos azuis – que se enquadravam nos ideais raciais dos nazistas.
Eles eram então retiradas dos pais biológicos, enviadas para orfanatos da SS ou entregues para pais alemães sem filhos, passando por um processo forçado de "germanização”. Estimativas apontam que pelo menos 200 mil crianças foram roubadas pelo regime durante a Segunda Guerra.
Lüdeking é uma das raras vítimas que tornou o seu caso público. Hoje residente em Bad Dürrheim, no sudoeste da Alemanha, ele decidiu processar o Estado em 2015, após passar uma década tentando chegar a um acordo com as autoridades para que ele e outras crianças roubadas fossem reconhecidas como vítimas.
Segundo ele, o caso não é sobre dinheiro, mas sobre ser reconhecido como vítima. Ele também disse que está decepcionado com a decisão. "Em alguns anos, nós não vamos mais existir porque o problema vai ser resolvido biologicamente por si só. É isso que a República Federal deseja?”
O tribunal que analisou o caso admitiu que o processo de germanização forçada foi uma grande injustiça, mas apontou que as leis existentes que preveem indenizações para vítimas do nazismo não contemplam bebês e crianças roubados pelos nazistas. A corte afirmou que não tinha autonomia para determinar a inclusão de uma nova categoria de vítimas.
Hoje o Estado alemão paga uma compensação de 2.500 euros para "pessoas que eram hostilizadas pelo Estado nazista por causa do seu comportamento social ou características pessoais”. Nestes grupos estão judeus, gays e pessoas com problemas mentais que foram perseguidas e, em alguns casos, esterilizadas pelo regime por serem encaradas pelos nazistas como "inferiores”. Segundo o entendimento do tribunal, Lüdeking não foi vítima do regime por caraterísticas consideradas "inferiores”, mas justamente "superiores” na concepção dos nazistas.
Segundo declarou Lüdeking, essa explicação é "absurda e vergonhosa”. Ele pretende recorrer. "Como vítima, eu não pretendo desistir”, disse.
Até hoje ele não sabe quem eram seus pais biológicos. Após ser enviado para um orfanato da SS, ele foi adotado por uma mulher chamada Maria Lüdeking, que era filiada à Liga Nacional-Socialista das Mulheres e havia perdido um filho que servia no Exército. O documento de adoção indica que seu nome verdadeiro era Roman Roszantowski, mas ele não conseguiu descobrir muito sobre suas origens.
Durante o processo, Lüdeking contou com o apoio da organização Crianças Roubadas, Vítimas Esquecidas. O diretor da organização, Christoph Schwarz, também lamentou a decisão do tribunal. "Essas crianças sofreram uma grande injustiça, foram privadas de suas infâncias e são o último grupo de vítimas dos nazistas que não receberam reconhecimento e compensação”, disse. "O fato de que as vítimas agora, décadas depois, novamente se deparam com uma atitude negativa por parte das autoridades é uma humilhação e um novo trauma para elas.”
A germanização forçada de crianças como Lüdeking era feita, em geral, com métodos brutais. Ela atingiu principalmente crianças levadas da Polônia ocupada pelos nazistas para o Reich alemão ou que foram tiradas dos trabalhadores forçados poloneses na Alemanha. As crianças eram proibidas de falar a língua materna e recebiam novos nomes.
Já em 1938, o chefe da SS, Heinrich Himmler, declarou: "Eu realmente tenho a intenção de buscar, roubar e raptar sangue germânico onde eu puder".
Durante a guerra, a associação da SS Lebensborn foi responsável pela germanização compulsória das crianças. Após a guerra, o governo polonês repatriou mais de 30 mil destas crianças, mas, em muitos casos, o sofrimento delas continuou após a guerra. Esse foi caso da polonesa Zyta Suś, hoje com 83 anos, que foi roubada de um orfanato polonês aos oito anos e entregue para uma família austríaca. Após retornar à Polônia, ela foi desprezada pelos seus compatriotas por só saber falar alemão.
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